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China: a grande muralha da especulação

A queda dos índices de Xangai e Shenzhen é espetacular: quando rebentou a bolha, todos os ganhos dos últimos dois anos se perderam em dias (nas últimas três semanas perderam-se mais de 2,4 biliões de dólares de riqueza de papel). A correção no mercado de valores não tem precedentes e ainda não acabou. Por Alejandro Nadal, La Jornada.
Bolsa de Xangai: quando rebentou a bolha, todos os ganhos dos últimos dois anos se perderam em dias. Foto 2 dogs
Bolsa de Xangai: quando rebentou a bolha, todos os ganhos dos últimos dois anos se perderam em dias. Foto 2 dogs

A linha que separa um especulador de um investidor é fina. Este aposta em recuperar o seu investimento inicial. Aquele procura saber mais do que o mercado. No capitalismo há lugar para os dois tipos de agentes e, na sua análise sobre a formação de expectativas, Keynes afirmou que a especulação não é daninha quando as bolhas são pequenas e fazem parte de um grande rio de investimento. Mas quando o investimento se compõe de umas quantas bolhas num mar de especulação, as coisas saem mal.

Todo o mundo sabia que a crise chegaria à China. Havia demasiados canais de comunicação para se pensar que os efeitos do descalabro nos Estados Unidos e na Europa não se transmitiriam à China. Mas a crise no gigante asiático tem também os ingredientes de sua própria cozinha. Outros têm a ver com a política económica que aplicou o governo chinês ao sentir os efeitos da contração do mercado mundial.

A crise financeira e os seus efeitos sobre a economia mundial acabaram por travar a expansão das exportações chinesas. Mas esse não foi o único problema. Ao contrário do que muitos pensam, a fonte de mão de obra na China não é inesgotável: em 2011, o escritório de estatísticas anunciou que a população em idade de trabalhar se contraiu pela primeira vez. É o resultado de 30 anos de uma política demográfica restritiva (um filho por família) e da saída de uma geração nascida entre 1950 e 1975.

Contra este pano de fundo e para combater a contração provocada pela queda da procura mundial, as autoridades do banco central chinês começaram a aplicar uma política de expansão do crédito desde 2012. E para compensar a perda de dinamismo do setor exportador, até anunciaram, um ano depois, planos para ir modificando a estratégia de crescimento da economia chinesa: dali para a frente, a aposta seria mais no consumo doméstico.

Mas para os governos provinciais da China o crescimento do investimento na indústria da construção é uma fonte muito importante de recursos. Desta forma, o auge do sector da construção está de mãos dadas com as necessidades fiscais: promover o crescimento de uma bolha de bens de raíz é uma coisa quase natural. Em 2013 havia mais de 10 mil milhões de metros quadrados em construção em diversas cidades chinesas. O valor de mercado dessas obras era equivalente a quase duas vezes o PIB: é uma bolha em quantidades e preços sem paralelo na história do capitalismo. E foi inchada por um sistema no qual a sede de rendimentos fiscais e a especulação estão juntos. Em muitos casos, a argamassa que mantém unido este embrulho é a corrupção.

A expansão do crédito permitiu uma onda de investimentos na carteira e um espetacular crescimento de preços em títulos e ações. A expansão das operações bolsistas com dinheiro emprestado gera maior volatilidade ainda do que aquela que já existe nesses mercados. E a isto há que acrescentar o facto de que outra parte dos investimentos de curto prazo na China provém da estratégia de empresas, bancos e fundos de investimento para obter divisas a um custo baixo e investir em títulos denominados em divisas que têm rendimentos superiores. Este chamado carry trade no mercado mundial de divisas é resultado de uma arbitragem na qual se levam em conta taxas de juro e estabilidade cambial. Estas operações existem desde há muito, mas nos últimos anos a flexibilidade da política monetária no Japão, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na Europa permitiu a sua expansão sem travão.

O crédito interno e o carry trade criaram uma gigantesca bolha no mercado de valores da China. Nos 12 meses anteriores a junho deste ano, o índice de preços das ações cresceu 150 por cento. Hoje a queda dos índices de Xangai e Shenzhen é espetacular: quando rebentou a bolha, todos os ganhos dos últimos dois anos se perderam em dias (nas últimas três semanas perderam-se mais de 2,4 biliões de dólares de riqueza de papel). A correção no mercado de valores não tem precedentes e ainda não acabou. O governo chinês tentou tudo para deter o banho de sangue: tirou restrições aos bancos para manter a expansão do crédito, reduziu novamente a taxa de juro e até proibiu a venda de novas ações. Tudo em vão.

Nos passados dois trimestres do ano passado a conta de capitais chinesa registou a saída de 148 mil milhões de dólares (mmdd). Isto é, pela primeira vez na sua história recente, a conta de capitais da sua balança de pagamentos acusa um défice deste calibre. Isto pode ser o sinal de que o auge da entrada de capitais especulativos associados aos investimentos com divisas (carry trade) tenha chegado ao fim. É possível, mas o ajuste promete terminar como uma brutal aterragem forçada para toda a economia chinesa. E as medidas de política para reativar o crédito anunciadas esta semana não auguram nada de bom.

Keynes também dizia que quando o desenvolvimento de um país depende das atividades de um casino, a tarefa certamente será mal feita.

Twitter: @anadaloficial

Publicado no La Jornada de 26 de agosto de 2015

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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