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China provoca desaceleração da economia mundial

O impacto é particularmente significativo na América Latina, já que o país asiático é o principal comprador das matérias primas desta região. Por Eduardo Garzón
A desvalorização da moeda chinesa (que se prevê que continue até cair 10% do seu valor) levará a que às empresas chinesas saia mais caro comprar produtos no estrangeiro, de forma que o efeito recessivo sobre o resto dos países continuará a fazer-se notar

A economia mundial está em mutação há meses: as economias que estavam em recessão ou estagnadas (as ocidentais desenvolvidas como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha…) começaram a crescer ou a abandonar terrenos negativos enquanto as que estavam a crescer mais (as “emergentes”, como China, Brasil, Rússia…) entraram em recessão ou começaram a desacelerar. O que acontece é que o impulso das primeiras não compensa o travão das segundas, e daí que a economia mundial se esteja a contrair notavelmente ao mesmo tempo que apresenta um panorama repleto de riscos e incertezas.

Este ponto de inflexão na economia mundial é explicado fundamentalmente por três fatores de especial relevância que além disso estão interligados entre si: o anunciado aumento das taxas de juro norte-americanas, a queda dos preços do petróleo, e a desaceleração chinesa.

1. O anunciado aumento das taxas de juro norte-americanas

A taxa de juro de uma economia é basicamente o preço do dinheiro. Os governos costumam reduzir a taxa de juro para tentar estimular o crescimento económico (com dinheiro barato é mais fácil endividar-se para investir e para consumir), e costumam aumentá-lo para conseguir o efeito inverso: arrefecer a atividade económica (com dinheiro caro é mais difícil endividar-se para investir e consumir). Com a eclosão da crise financeira de 2008 originada nos Estados Unidos, a taxa de juro das economias ocidentais desenvolvidas foi reduzida a mínimos com a intenção de contrariar a queda da atividade económica. Isso teve como consequência que enormes quantidades de capitais abandonaram estas economias, pois o dinheiro procura sempre taxas de juro elevadas porque dessa forma se revaloriza mais. Estes capitais acabaram em economias que tinham taxas de juro mais elevadas, fundamentalmente nas “emergentes”. Escusado será dizer que esta entrada de dinheiro contribuiu para melhorar a atividade económica nesses países.

Mas seis anos mais tarde, no primeiro semestre de 2014, a economia norte-americana começou a mostrar sinais de melhoria e de crescimento, de forma que a instituição que controla a taxa de juro –a Reserva Federal– apontou a possibilidade da aumentá-la. Devido a este anúncio, muitos investidores começaram a retirar os seus capitais dos países emergentes e a voltar a colocá-los em posições norte-americanas. Este fenómeno foi aumentando com a passagem do tempo à medida que se aproximava a subida das taxas de juro nos EUA. Nos últimos 13 meses, as 19 maiores economias emergentes registaram saídas líquidas de capital no valor de 940.200 milhões de dólares, o que equivale a mais de 80% do PIB espanhol. Os EUA ainda não aumentaram as taxas de juro, mas a Reserva Federal anunciou que se tudo correr bem fá-lo-ão antes de 2016. Se isso ocorrer, a fuga de capitais dos países emergentes será maior e com ela os problemas económicos desses países.

2. A queda dos preços do petróleo

Também no primeiro semestre de 2014 os preços do petróleo caíram subitamente de um dos seus níveis mais altos (110 dólares por barril de Brent) para um dos seus níveis mais baixos (50 dólares por barril de Brent). Muitos analistas viram neste movimento a óbvia mão dos Estados Unidos e do seu aliado Arábia Saudita para forçar a queda dos preços e assim provocar um duro golpe económico nos seus rivais geopolíticos (Rússia, Irão e Venezuela, fundamentalmente) já que as suas economias dependem fortemente das vendas de crude (com um preço tão reduzido, as receitas das vendas também caem). Ao mesmo tempo que a queda do preço do petróleo está a provocar enormes dores de cabeça às economias “emergentes”, beneficia as economias ocidentais importadoras de petróleo (as suas faturas são agora bem mais leves).

3. A desaceleração chinesa

De novo foi o primeiro semestre de 2014 o período que marcou um ponto de inflexão na China, pois a sua economia começou a perder tração. Para contrair este travão, o governo estimulou diretamente as bolsas chinesas, mas com o fatal desenlace do surgimento de uma enorme bolha bolsista e imobiliária que estoirou em junho passado . Mas o mercado de valores não é o único afetado: a produção também foi muito afetada. Nesta segunda-feira soubemos que o indicador PMI da indústria chinesa (Caixin-Market) caiu para o seu menor valor em seis anos e meio. O governo chinês está totalmente consciente da situação e por isso desvalorizou em várias ocasiões a sua moeda, com a intenção de fomentar as exportações. Todos os indicadores apontam que a China está “doente”; ainda que seja cedo para saber quanto está e se os seus movimentos provocarão uma autêntica guerra de divisas (todos os países a desvalorizar as suas moedas para ganhar competitividade via preço; como já ocorreu em Cazaquistão, Malásia, Turquia, Nigéria, Vietname, Indonésia…).

O que está claro é o impacto que a desaceleração já teve. Tenha-se em conta que a China é a segunda maior economia do mundo e o país que atuou como locomotiva do planeta durante os últimos anos comprando e vendendo em quantidades gigantescas. Ao deixar de crescer a grande velocidade, e ao diminuir o volume de compras a outros países (as importações chinesas caíram em julho 8,3% e em junho 6,1%), as vendas desses países foram afetadas significativamente. O impacto é particularmente significativo na América Latina, já que a China é o principal comprador das matérias primas desta região (somente quatro produtos primários – ferro, soja, petróleo e cobre - representam 75% de tudo o que a China lá compra). Daí que o preço das matérias primas esteja a cair há algum tempo: para não ter quedas muito acentuadas nas vendas as empresas exportadoras destes produtos estão a reduzir os preços. Esta semana o índice das cotações das matérias primas caiu para níveis de há 16 anos. Escusado será dizer que o futuro não é esperançoso: a desvalorização da moeda chinesa (que se prevê que continue até cair 10% do seu valor) levará a que às empresas chinesas saia mais caro comprar produtos no estrangeiro, de forma que o efeito recessivo sobre o resto dos países continuará a fazer-se notar. Claro, o impacto na Europa será menor porque, excetuando o caso da Alemanha, as vendas europeias não dependem tanto da China.

Artigo de Eduardo Garzón, publicado em 25 de agosto de 2015 em La Marea. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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