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A política não é um jogo semântico

Um conhecido comentador político de fim-de-semana e ex-Presidente do PSD afirmou a propósito das eleições legislativas que aos portugueses não restava outra solução senão a de terem “juizinho” no momento do voto.

No início deste Verão, um conhecido comentador político de fim-de-semana e ex-Presidente do PSD afirmou a propósito das eleições legislativas de 4 de Outubro que aos portugueses não restava outra solução senão a de terem “juizinho” no momento do voto.

Este “aviso” queria dizer, de forma subliminar, que é preciso evitar as tentações que muitos eleitores poderão ter de testar novas soluções políticas fora do quadro dos partidos do chamado “arco do poder” e que dominam a política portuguesa desde o fim da ditadura.

O Presidente da República, Cavaco Silva, tem sido um dos mais acérrimos defensores deste status quo, através da insistência na materialização de consensos entre PSD, PS e CDS-PP visando assegurar por “décadas a estabilidade governativa”. A tentativa de condicionar as opções dos eleitores traçando cenários mais ou menos catastrofistas se os resultados das eleições não gerarem maiorias absolutas, revela que Cavaco Silva não compreendeu as funções que, no atual quadro constitucional, competem ao Presidente da República, esvaziando desta forma a sua função enquanto órgão suprapartidário e que por isso não deve manifestar preferências de natureza partidária ou interferir na luta democrática entre as diferentes forças políticas. Cavaco Silva acabou por ignorar o crescente descontentamento dos eleitores optando por ser um pilar em que o governo se apoiou nos momentos mais críticos.

Perante este quadro, podemos concluir que para muitos é apenas legítimo mudar de nomes e adotar uma nova semântica mas não de desígnio, ou seja, uma governação que afronte de forma corajosa e determinada os interesses há muito instalados, a corrupção, o nepotismo, numa palavra a decadência do próprio regime.

Portugal - bem como os restantes países europeus-vive um momento particularmente delicado necessitando por isso de inverter o ciclo descendente em matéria de direitos fundamentais seja no campo da saúde, do ensino ou das políticas sociais. Por estas razões, as próximas eleições legislativas têm uma importância vital porque a correlação de forças que delas sair determinará por muitas décadas o nosso futuro coletivo.

A descrença nas instituições somada à desvalorização dos partidos enquanto representantes da vontade popular deve (ou devia) ser objeto de uma profunda reflexão pois só desta forma será possível evitar a entrada no “buraco negro” do populismo e da demagogia. Há que aprender com a História o que uma vez mais não parece estar a acontecer.

A coligação PSD/CDS, rebatizada com o curioso nome de Portugal à Frente (PàF), promete reverter as políticas que ao longo da legislatura e com a cobertura da troika, arruinaram o país atirando para a pobreza ou indigência milhares de portugueses. O pior governo dos últimos 40 anos diz agora que se encarregará de corrigir as desigualdades prometendo-nos assim um ciclo de crescimento económico e consequente prosperidade. Se nos lembrarmos do que Passos Coelho disse na última campanha eleitoral não será difícil imaginar quais são as suas reais intenções.

A máquina de propaganda do governo está, no entanto, montada. E o seu guião fala-nos de um país cuja cicatrização das feridas segue a um ritmo invulgarmente rápido. No crescimento económico e no emprego, responsáveis pela retoma da confiança dos portugueses e que a ministra da Finanças vê cada vez mais “sorridentes”. O futuro (?) segue dentro de momentos.

Por outro lado, o PS vai tropeçando nas suas próprias contradições e promete colocar um ponto final nas políticas de austeridade através de uma atitude menos diligente em relação às imposições da UE. Hollande não fez melhor e hoje está remetido ao papel de “ idiota útil” dos interesses da Alemanha e da chanceler Merkel.

Os números são importantes desde que verdadeiros. E não têm sido. Os cartazes também desde que espelhem a realidade. Se assim não for (como não foi) são apenas a revelação de quem quer iludir a realidade. Sem ética, a política fica reduzida à opacidade, espécie de espaço privilegiado onde nidificam todos os oportunismos.

Entendamo-nos. A coligação quer prosseguir o caminho iniciado há 4 anos, ou seja, a austeridade a que chama reformas. E o PS fala-nos em rigor apenas para contornar a aspereza do ‘austeritarismo’ que já poucos suportam. Até lá importa, no entanto, falar pouco, deixar a clareza de lado e debitar sound-bites para disputar as manchetes dos jornais ou a abertura dos telejornais. Pouco, muito pouco mesmo, para quem disse rejeitar a política de casos ou proclamou que os interesses do país estavam à frente dos resultados eleitorais (que se lixem as eleições, não é?).

Recentemente, o ex-coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, recordou uma entrevista da escritora Marguerite Duras ao jornal francês Nouvel Observateur em 1992. Respondendo à pergunta sobre qual o valor que a esquerda teria de promover urgentemente, Duras afirmou: “a luta de classes”. Ante a perplexidade do jornalista acrescentou: “ À parte restabelecer a luta de classes, não vejo outro valor.”

Um anacronismo absoluto? Ou apenas a tentativa de ressuscitar um jargão revolucionário em que ninguém já se reconhece, exceto alguns teorizadores parados no tempo?

Pelo contrário, este é o caminho que a esquerda não poderá abandonar porque o seu combate passa também por contrariar a despolitização que há década impregna alguns discursos que nos falam do esbatimento ou mesmo do fim das fronteiras entre a esquerda e a direita. Sobra apenas o pragmatismo a que muitos recorrem com inusitada frequência para afirmar que os problemas com que se debatem as sociedades em que vivemos não têm uma relação direta com opções de natureza ideológica.

Como sabemos, a crise não é apenas financeira. A sua raiz é ideológica e por isso é necessário reafirmar os valores que as elites económicas temem. A exploração e as desigualdades agravaram-se significativamente nos últimos anos. E porque não são naturais nem inevitáveis têm de ser contrariadas. A democracia supõe escolhas e por isso não se pode compadecer com o pensamento daqueles que cinicamente apelam ao nosso “juizinho” algo que só pode ser interpretado como um convite à inação.

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Jornalista
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