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Diferenças?! Não se vêem porque não as há!

Alterar a TSU equivale a pisar de novo a linha vermelha, a carregar mais sobre os mesmos. A recusa intransigente desta proposta de alteração coloca-nos em campo oposto.
  1. Quando se veiculam ideias publicamente, é suposto fundamentá-las com recurso a dados quantificáveis. As questões relacionados com as reformas atuais ou com as reformas do futuro não escapam a este padrão mas a situação é muito dolorosa, facilmente se torna emotiva ainda que se mantenha autêntica e perturbadora e os números não resolvem tudo. Neste caso concreto, os números nem disfarçam nem agravam a situação tão dramática ela é. Contornando a aritmética, abordemos o assunto sem esquecer que falamos de homens e mulheres.

  2. No pacote muito sensível das “reformas” cabem muitos subgrupos merecendo, cada um, atenção específica. As soluções para as pensões sociais não são certamente as mesmas que se aplicarão aos reformados do CNP e aos aposentados da CGA e entre estes a uniformidade também não faz regra. As reformas inferiores ao salário mínimo nacional, os complementos solidários para idosos exigem urgência e medidas ousadas enquanto as reformas milionárias terão outro tratamento, sem urgência com certeza. E também a necessidade inadiável do descongelamento das pensões e reformas exatamente do grupo mais massacrado. Falamos sempre de homens e mulheres com sentimentos e dignidade, não de coisas. Com ou sem carreira contributiva, viveram e trabalharam em democracia e foi o estado democrático que lhes prometeu a construção e o apoio do Estado Social.

  3. Dói de uma forma indizível a frieza e insensibilidade como a questão das reformas é tratada. É insuportável o distanciamento, seja num debate seja numa entrevista, com que reformados e pensionistas são referidos. Para políticos ou analistas, as palavras mágicas são “cortes” e “reduções”. Será que estes políticos e analistas têm a noção de que estão a falar do presente e do futuro de pessoas, em regra mais frágeis, mais isoladas, mais marginalizadas? Reformados e pensionistas, gente que perturba, que teima em existir, que emperra a máquina oleada. Porque não são descartáveis?! Ao invés, o excesso de números, de cálculos, a obsessão pelo equilíbrio entre receita e despesa, os truques de “reforme-se primeiro, pague depois” a lembrar o velho slogan turístico, é o que atiram para a frente. Reduz-se agora na TSU, tudo resolvido, não se preocupem. É tudo a bem da economia, da animação que o mercado vai sentir. Daqui a uns anos, a coisa compõe-se. Otimismo infundado depois de tão profunda descapitalização da Segurança Social (Centeno não ignora isto, pois não?). E quanto aos anos para a retoma, temos dito. Para reformados e pensionistas “amanhã é sempre longe de mais”.

  4. Em tom crítico, Mário Centeno refere as medidas PSD-CDS comentando que “os cortes nas pensões [refere-se às medidas do governo Passos-Portas] iriam resolver o problema da sustentabilidade. Não resolveram.” (in Público, 5 Ago 2015: 4, col. 3). Ora bem, esta afirmação não traz novidade mas, quem lê Centeno, fica à espera da alternativa que finalmente chega, de mansinho. A TSU é a panaceia. Com a TSU, opina Centeno firme, as coisas vão ser diferentes porque “a medida [a TSU do lado dos trabalhadores] é quase uma reforma estrutural. Ela é neutra, no sentido em que a redução hoje da taxa contributiva depois reverte (…) durante uma série de anos, numa redução das pensões” (Id.: 4, col.4). Isto significa aquilo que eu julgo que significa e que Centeno sabe que significa?! Como é que se vai colocar pão na mesa?! Mais adiante continua a explicar: “Cortar pensões, por exemplo, reduz a atividade económica “ (Id.: 7, col. 4) o que, não sendo nenhuma novidade, é surpreendente vindo dele já que este princípio não parece conformar-se com a orientação que justifica a alteração da taxa da TSU. Umas vezes pensa-se na necessidade de ativar a economia; outras vezes, assesta-se mais uma pancada sobre reformados e pensionistas. Afinal, o que se pretende, em que ficamos?

  5. Não ficamos. Passando sobre isto como cão por vinha vindimada, Centeno continua a clarificar: “Os trabalhadores em termos líquidos ficam a ganhar, porque o estímulo que a medida traz à economia vai fazer subir os salários e o emprego” (Id.: 4, col. 4). Ou seja, em linguagem comum, enquanto os reformados voltarão a ser espremidos reduzindo no essencial (na alimentação, nos gastos da luz e do gás, no consumo de água, na compra de medicamentos) e prescindindo de outros bens (como roupa e calçado ou até de algum bem de natureza cultural), os trabalhadores no ativo viverão na doce ilusão de que os governantes já cuidam do futuro. Agora, sim, é que os números fazem falta mas números que salvaguardassem os direitos e expectativas dos reformados e pensionistas. Onde está, então, a diferença entre os governantes de hoje e os políticos que querem ser governantes amanhã? Não está porque não há. Uns foram ao pote diretamente; os outros vão ao mesmo pote mas de forma encapotada.

  6. As declarações de Mário Centeno mexem com questões sobremaneira decisivas para o nosso futuro. Alterar a TSU equivale a pisar de novo a linha vermelha, a carregar mais sobre os mesmos. A recusa intransigente desta proposta de alteração coloca-nos em campo oposto, em luta aberta pelos direitos e expectativas apenas realizáveis no Estado Social. A nossa posição terá de ser inabalável e clara dentro e fora das nossas fileiras. Por isso, todas as oportunidades são boas para denunciar estas manobras, sem cedências.

Lisboa, 13 de Agosto de 2015

Maria Luísa Cabral

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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