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O que acontecerá se Jeremy Corbyn vencer?

O que estamos a assistir na Inglaterra não é imune ao surgimento de uma maior radicalização provocada por quase uma década de crise económica e austeridade. Artigo de Alex Callinicos.
"É o movimento extra-parlamentar que tem crescido à volta dele que permanecerá a sua fonte de força", escreve Callinicos.

A incompreensível raiva em que a direita do Partido Trabalhista afunda, com a possibilidade de Jeremy Corbyn vir a conquistar a liderança, é deliciosa de assistir. Os Blairistas, em particular, ressentiram-se com Ed Milliband por, em 2010, lhes ter tirado o partido que vêm como legitimamente seu.

Certamente pensaram que, após a derrota de Miliband em maio, teriam a sua herança de volta. Pelo contrário, Corbyn – um deputado da “esquerda radical” que desprezaram e ignoraram – está triunfalmente a viajar pelo país dirigindo-se a vastas e entusiasmadas audiências.

A fúria da direita revela-se numa diatribe antimarxista particularmente ridícula de Jonathan Jones no jornal Guardian do passado sábado: “como estudante socialista na década de 1980s absorvi a noção de que a URSS era um sistema de “capitalismo de Estado” que nunca atingiu o verdadeiro socialismo”.

"Essa ilusão desmoronou-se quando estive numa fila para comer papa de aveia servida com conchas a partir de grandes recipientes no aeroporto de Moscovo e comprei uma bebida numa loja onde existiam caixas registadoras separadas para cada artigo da pequena gama disponível. Eu estava a ver socialismo puro".

Ah? Como assim? Estudei os escritos de Marx aprofundadamente. Onde é que ele diz que o “socialismo puro” necessita de papas de aveia e de filas separadas para produtos diferentes? O que é que isso tem a ver com a visão de uma sociedade comunista governada pelo princípio “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”? Rejeite o marxismo se assim entender, mas não deixe que a sua inconsciência escreva os artigos por si.

Num outro lugar do jornal Guardian do passado sábado (audivelmente a ranger os dentes) vem uma entrevista amigável com Corbyn que resume a sua própria explicação para o seu sucesso: “um aumento global da esquerda que recebeu um novo impulso com a campanha do senador socialista do Vermont Bernie Sanders na disputa presidencial nos Estados Unidos, o sucesso do Syriza na Grécia e o rápido crescimento do apoio ao Podemos em Espanha”.

Acho que está totalmente correto. O que estamos a assistir na Inglaterra não é imune ao surgimento de uma maior radicalização provocada por quase uma década de crise económica – que o bloguer marxista Michael Roberts apelida de “longa depressão – e austeridade.

Blairistas

Mas penso que temos que fazer mais do que desfrutar do passeio (e consternação dos blairistas). Corbyn está a sair-se bem o suficiente para começarmos a questionarmo-nos sobre o que acontece se ele vencer.

A sua vitória seria um grande sucesso democrático. Mas não podemos cair na ilusão de que o Partido Trabalhista é uma organização democrática. Ele tem dois grandes centros de poder oligárquico - o Grupo Parlamentar Trabalhista (PLP) e a burocracia sindical.

Vale a pena olhar para o que aconteceu com George Lansbury, quando se tornou líder do Partido Trabalhista, após a terrível derrota de 1931. Lansbury foi um herói da esquerda, líder da luta do bairro Poplar, na zona este de Londres, contra a versão de austeridade de 1920. O historiador AJP Taylor considerou-o "a figura mais amável na política moderna".

Mas Lansbury tornou-se líder por falta de comparência. Todos os outros ministros do Trabalho ou perderam o seu lugar ou desertaram para os Tories. Quando ele começou a afirmar o seu pacifismo cristão na política externa, os líderes sindicais – como o secretário-geral do Trades Union Congress (TUC) Walter Citrine e do líder dos trabalhadores de transporte Ernest Bevin – voltaram-se brutalmente contra ele.

Depois de ser humilhado por Bevin na conferência do partido de 1935, Lansbury renunciou.

A configuração das forças desta vez é diferente. Corbyn está a ganhar, não por falta de comparência, mas impulsionado por uma enorme onda de entusiasmo.

E a maioria dos dirigentes sindicais estão a apoiá-lo. Isto em si mesmo é interessante. Suspeito que reflita a profunda impaciência com a recusa da liderança parlamentar do Partido Trabalhista em lutar pelos trabalhadores.

Então, se Corbyn ganhar, terá um poderoso apoio. Mas enfrentará um PLP esmagadoramente hostil, e um Gabinete Sombra no qual muitos membros descartaram a possibilidade de ser liderados por ele. E, claro, os media e os Tories estariam em alerta para aproveitar qualquer deslize ou divisão.

Não há dúvida de que Corbyn entende isto muito bem. Mas a questão crucial é que conclusões ele tira. Se tentar conciliar-se com a direita, como Michael Foot fez quando era líder dos trabalhistas, em 1980-83, vai cavar a sua própria cova.

É o movimento extra-parlamentar que tem crescido à volta dele que permanecerá a sua fonte de força.

Artigo publicado em Socialist Worker traduzido para português por esquerda.net

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