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TTIP: Os superpatriotas que vendem a pátria

Tratado de Livre Comércio entre os EUA e a União Europeia é, sem dúvida, a maior ameaça que hoje se abate sobre a democracia e a soberania dos povos, a qual as direitas superpatriotas de sempre estão dispostas a impor, em defesa dos interesses económicos que as financiam. Artigo de Vicenç Navarro.
Foto de protesto contra o acordo UE/EUA na Alemanha

Nos últimos meses tenho estado a escrever artigos alertando para o enorme prejuízo que o incorretamente designado Tratado de Livre Comércio entre os EUA e a União Europeia (UE) terá na sustentabilidade da Europa Social e na qualidade democrática destes países (ver os meus artigos “As consequências negativas dos anteriores tratados de livre comércio”, Público, 15.06.15; “O tratado de livre comércio entre os Estados Unidos e a União Europeia e os seus possíveis impactos na previdência espanhola”, Gaceta Sanitária, junho 2015; “O que se pretende com os tratados incorretamente designados de livre comércio?”, Público, 23.07.15). A perda de soberania nacional será enorme, estabelecendo-se tribunais de incorretamente designada Justiça, que terão maior poder do que os próprios Estados. Na realidade, será a vitória do grande capital sobre tudo o resto, impondo as suas regras sem nenhum tipo de travão. E como era de esperar, as direitas “patrióticas”, tanto em Espanha como na Catalunha (“patrióticas” de nacionalismo oposto), venderão a pátria para favorecer os interesses das grandes corporações, que serão as únicas beneficiárias.

Se o leitor considera que estou a exagerar, sugiro-lhe que leia o excelente artigo do Professor John Miller (“Trans-Pacific Partnership: Corporate Power Unbound”, Dollars & Sense, julho/agosto 2015) no qual analisa o impacto de outro tratado mal designado de livre comércio que também se está a elaborar entre os EUA e os 12 países do Oceano Pacífico (EUA, Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname), que coletivamente produzem 40% do Produto interno bruto mundial, tratado conhecido como TPP, Trans-Pacific Partnership. É um dos tratados que conta com mais apoio por parte das maiores corporações que governam o mundo, que o estão a promover ativamente através dos maiores meios de informação que controlam (sendo Espanha, onde a pluralidade dos media é muito limitada, um claro exemplo disso). Nos EUA, os maiores sindicatos (AFL-CIO) mobilizaram-se em massa contra este tratado. Já o Partido Republicano e o aparelho do Partido Democrata, dirigido pela Administração Obama, apoiam-no. No mundo académico, a maior figura que se opõe a este tratado é o Prémio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, e o centro de investigação económica mais conhecido que se opõe é o Center for Economic and Policy Research (CEPR), em Washington, um dos centros mais reputados e conhecidos naquele país.

O ponto-chave onde ocorre a perda de soberania é no estabelecimento de um tribunal que teria a última palavra em qualquer conflito legal entre o governo de um Estado (que em teoria representa a cidadania de um país) e as grandes multinacionais que investem naquele país. Este tribunal, conhecido como Investor-State Dispute Settlement (ISDS) em inglês, decidirá quem tem razão em qualquer disputa entre um Estado e uma empresa estrangeira que invista nesse país, sendo a sua decisão inapelável.

Na realidade, os ISDS já existem em vários tratados, também incorretamente designados de livre comércio. Como consequência da sua existência, vimos os seguintes casos:

A companhia de tabaco Phillip Morris levou aos tribunais os Estados do Uruguai e Austrália, solicitando uma compensação económica por perdas nos seus lucros como consequência da quebra nas vendas, resultante da nota escrita em cada maço de tabaco alertando para os prejuízos para a saúde que pode produzir o consumo de tabaco, nota escrita que é obrigatória naqueles países, por mandato estatal.

A empresa nuclear Vattenfall levou aos tribunais, reivindicando uma compensação de 3.700 milhões de dólares (cerca de 3.500 milhões de euros), o Estado alemão pela suposta perda de lucros resultante do facto da Alemanha ter decidido diminuir a sua dependência energética da indústria nuclear, após o desastre de Fukushima.

A companhia francesa de gestão de resíduos, Veolia, levou o governo egípcio aos tribunais por ter subido o salário mínimo daquele país, o que levou a um aumento dos custos, pelo que a companhia solicita ao Estado que a compense.

Sei que é provável que o leitor não esteja ainda convencido das consequências do incorretamente designado Tratado de Livre Comércio. Mas asseguro-lhe que se o tratado entre EUA e a UE for aprovado, verá a defesa dos seus interesses como cidadão, trabalhador, consumidor e utente, dramaticamente reduzida, porque o Estado verá o seu poder para o proteger substancialmente debilitado. É, sem lugar a dúvidas, a maior ameaça que hoje se abate sobre a democracia e a soberania dos povos, a qual as direitas superpatriotas de sempre estão dispostas a impor, em defesa dos interesses económicos que as financiam. São, nem mais nem menos, do que vendedoras de pátrias. Utilizam as bandeiras para defender os seus interesses de classe. Não há outra maneira de o ver.

 


Artigo publicado em http://www.nuevatribuna.es/opinion/vicenc-navarro/superpatriotas-venden-patria/20150806141302118848.html

Sobre o/a autor(a)

Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha).
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