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David Harvey: “População curda está sob ameaça do governo da Turquia”
Em visita ao Brasil, o geógrafo marxista David Harvey conversou com o Brasil de Fato sobre a situação da população curda, que está a ser atacada pelo governo turco, bem como pelas milícias do Estados Islâmico.
Harvey considera que a tensão na região aumenta cada vez mais, e que o governo turco segue “por um caminho perigoso”, que pode resultar numa guerra civil. Também destacou a inovação política que as áreas liberadas pelos curdos contra o Estado Islâmico representam: “é um modelo socialista, democrático e confederado, algo completamente desconhecido recentemente”.
Segundo, o geógrafo, toda esta experiência está sob risco por conta dos interesses internacionais em jogo naquela região.
O que é que está a acontecer na Turquia?
Para começar, é preciso entender que há uma hostilidade de longa data dos nacionalistas turcos contra a população de minoria curda. Houve uma guerra civil entre esses dois grupos durante quase 20 anos.
O cessar-fogo foi declarado em 2011, quando se disse existir uma tentativa de ambos os lados para resolver as diferenças, para que a minoria curda pudesse viver em paz na Turquia.
Mas parte do problema é que os curdos estão implantados fortemente no norte da Síria e no Iraque. É um povo dividido em três países.
Os curdos já pressionaram pela criação de um Curdistão independente, mas em 2011 desistiram disso e optaram por conquistar autonomia nesses três países.
Por que é o governo turco hostil com os curdos?
A hostilidade do governo turco contra os curdos está a aumentar. Especialmente por a população curda se ter mobilizado nas últimas eleições e ter 80 membros no parlamento, sendo uma força política.
E ao chegarem ao parlamento, negaram a Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, o direito de rever a constituição e tornar-se presidente todo-poderoso, quase um ditador.
Como é que a influência dos curdos noutros países afeta a Turquia?
A força dos curdos no norte da Síria tem aumentado, principalmente para se proteger contra o Estado Islâmico (EI), porque se o EI dominar, os curdos serão massacrados. Chegou a um ponto que os EUA, que querem acabar com o EI, se aproximaram da população curda para apoiá-la com ataques aéreos.
Mas o que agora nós sabemos, vindo de Washington, é que o governo turco vinha apoiando o EI, por dois motivos: derrubar Bashar al-Assad, presidente da Síria, que é inimigo da Turquia há muito tempo, e destruir o poder curdo no norte da Síria, que a Turquia vê como uma ameaça para a integridade do seu país.
Essa estratégia não correu bem, porque os curdos lutaram contra o EI e definiram uma zona autónoma chamada Rojava no norte da Síria. E o EI não se livrou do Assad também.
Um novo acordo foi celebrado, entre os EUA e a Turquia, no qual a Turquia ajudaria a lutar contra o EI e os EUA teriam permissão de usar bases aéreas turcas. Então agora os turcos estão auxiliando na luta contra o EI, mas a Turquia insistiu que deveria ter o direito de atacar os curdos.
Como é que a violência contra os curdos aumentou após o acordo?
Após essa decisão, uma das primeiras coisas que aconteceu foi que a força aérea turca atacou os curdos no Iraque, e prendeu muitas pessoas na Turquia que apoiam os curdos.
A Turquia também ameaçou tirar a imunidade dos parlamentares curdos, o que seria um prelúdio para convocar novas eleições sob a alegação de que o partido curdo não se poderia candidatar novamente, por apoiar o movimento curdo, que para os turcos é uma organização terrorista.
A estratégia agora é tirar os curdos do poder na Turquia, o que ameaça os curdos na Síria. O poder curdo na Síria baseou-se na construção de novas estruturas de governo.
É um modelo socialista, democrático e confederado, algo completamente desconhecido recentemente.
Conseguiram reconstruir a área de Rojava, e a Turquia teme que Rojava se declare independente da Síria, o que faria boa parte da população da Turquia no sul ir para lá.
É a luta hoje. E os turcos não param de lançar ataques aéreos contra os curdos, principalmente no norte do Iraque.
Mas o medo é que a Turquia invada Rojava. Fez um acordo com os EUA, de que deveria haver uma zona de 60 milhas dentro da Síria, que encapsula a maioria de Rojava, que deveria ser uma “zona segura”.
Para mim significa que Rojava estaria sob dominação turca, uma invasão em Rojava usaria o poder turco para destruir o sistema de governo criado e fazer sabe-se deus lá o que com a população curda, que é 80% do total.
A população curda está muito ameaçada, temo que os curdos vão se levantar na Turquia, o que vai gerar uma guerra civil que vai se espalhar para o Iraque e para o norte da Síria. É um caminho muito perigoso e violento que o governo turco está tomando.
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