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O desemprego nunca existiu

É ao político conservador britânico Benjamin Disraeli que se atribui a conhecida proposição segundo a qual há três tipos de mentiras: as mentiras comuns, as mentiras sagradas e as estatísticas. O atual debate em torno do emprego parece confirmar essa máxima.

Para o Governo, a taxa de desemprego revela que Portugal se encontra numa trajetória de recuperação. Deputados da maioria, entusiasmados, falam de uma tendência muito boa no nosso mercado de trabalho. E o inefável Maçães, excitado, lá vai repetindo em forma de tweet que o país está ótimo e recomenda-se. Mas para lá das personagens cómicas ou das loas dos fãs, vale mesmo a pena fazer o debate sobre o que tem acontecido ao emprego. É que em lugar de uma evolução muito boa, os resultados da receita aplicada têm sido desastrosos. Argumento com cinco razões.

1. As estatísticas sobre o desemprego, agora exaltadas pelo Governo, são de facto um logro. Desde logo porque a taxa de desemprego não contabiliza os “inativos desencorajados”, ou seja, todas aquelas pessoas que, não estando empregadas, deixaram de procurar ativamente emprego. Só nessa categoria estão atualmente 243 mil pessoas, dados do INE. Mas também não contabiliza, desde 2011 e por decisão do INE, todos os desempregados em “programas ocupacionais” – que são cerca de 158 mil. Se a essas categorias somássemos ainda o “subemprego” , então a taxa de desemprego mais que duplicaria em relação à que atualmente é contabilizada. Esta consideração não é apenas minha. O FMI, insuspeito de esquerdismo, diz o mesmo no seu relatório de janeiro deste ano sobre Portugal: a taxa real de desemprego devia somar estas categorias e anda à volta dos 20% (p.22).

2. As pessoas desempregadas estão cada vez mais desprotegidas. A maioria não recebe subsídio de desemprego. Em maio de 2015, 58% dos desempregados registados não tinha direito a esta prestação. E não foi sempre assim: no início da década de 2000, mais de 80% dos desempregados recebia subsídio de desemprego. Além disso, é preciso recuar duas décadas, até 1996, para termos valores médios de subsídio de desemprego tão baixos. Mesmo comparado com 2012, o valor mensal do subsídio caiu em média 50 euros por pessoa. O corte de 10% aplicado pelo Governo ao fim dos seis meses é revelador do modo punitivo como se olha quem descontou e perdeu o emprego.

3. Nos últimos anos, perdemos população ativa como nunca. Entre 2011 e 2015, a maior quebra na mão de obra disponível acontece entre os jovens: no escalão entre os 25 e os 34 anos, são menos 205 mil pessoas. Uma das explicações é a emigração. Desde 2011 que o valor médio da emigração que se contabiliza oficialmente ultrapassa as 100 mil pessoas. Destas, uma parte muito significativa vai embora porque não tem como fazer a sua vida em Portugal. Nunca, nos últimos 40 anos, tínhamos tido tanta gente expulsa do país pelo desemprego.

4. Perdemos também, como nunca, população empregada. Ou seja, a redução da taxa de desemprego, que é uma proporção, esconde uma realidade crua: se compararmos o segundo trimestre de 2015 com o mesmo período de 2011, verificamos que há hoje menos 219 mil empregos. A taxa de desemprego só é por isso menor porque há menos gente e não porque haja mais trabalho em termos absolutos. Ou seja, a estratégia da austeridade não deu nenhum resultado em termos de emprego a não ser a sua destruição.

5. Além disso, e igualmente importante, o emprego que vai sendo criado é de salários cada vez mais baixos (a média salarial ronda os 500 euros) e é precário. O exemplo mais significativo é o das “políticas ativas de emprego” (nome perverso), das quais se destacam os contratos emprego-inserção (criados em 2009 pelo governo PS, e que explodiram nos últimos anos) ou a política de “estágios emprego”. No primeiro caso, falamos de 75 403 mil pessoas que ocupam postos de trabalho sem terem nem contrato nem salário, em verdadeiros novos trabalhos forçados (a maior parte no Estado) que já tive oportunidade de analisar. No caso dos estágios, que chegavam em 2014 a cerca de 70 mil pessoas, eles tornaram-se num mecanismo de financiamento das empresas (que beneficiam do apoio, poupando os custos de um contrato) e de abaixamento de salários. Na esmagadora maioria dos casos (70%) não permitem ficar a trabalhar na empresa: são tudo menos um trampolim para o emprego. E este tipo de "emprego" é, basicamente, "o que há". De acordo com o Banco de Portugal, um terço do emprego criado são estágios. Some-se os contratos emprego-inserção, o trabalho temporário (em crescimento) e o trabalho parcial involuntário e temos o retrato do país. Não, não estamos a recuperar nem a tendência é boa: é o desemprego, a precariedade e o abuso que são a regra. Que haja quem o celebre só mostra o futuro a que nos querem amarrados.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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