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Angola: O poder e a justiça nas mãos da polícia política
A polícia larga presos que são sequestrados, de imediato, por homens à paisana armados, que os amontoam numa viatura e dão voltas intermináveis, deixando-os no meio de nenhures…Todos julgavam que iam ser mortos.
Esta descrição não saiu de um romance de ficção. Aconteceu a semana passada no Estado de Direito Democrático de Angola.
Ao ler a descrição dos acontecimentos do passado dia 29 de Julho – polícia a saltar muros para arrombar casas e deter pessoas sem mandado, polícia a receber ordens dos serviços secretos, directores de serviços secretos a enquadrarem prisões, operações policiais de grande envergadura sob o comando do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) – parece que os siloviks angolanos estão a assumir o poder, como na Rússia de Putin. Os “durões” – ou siloviks, nome dado aos agentes do KGB – assumiram os postos-chave do poder, conduzindo o país para a autocracia.
Todos estes actos parecem retirados de um manual de más práticas da Tcheka, a polícia política do ditador soviético Josef Stalin, e são o prelúdio habitual do início de uma caça às bruxas.
Quando se lêem as descrições das actividades do chefe da Direcção Principal de Contra-Inteligência Militar do SISM, o tenente-general José Afonso Peres “Filó” a comandar as operações e a interrogar os presos, quando se toma nota das conversas que este alto dirigente da secreta tem com o chefe do SISM, general Zé Maria, o que se percebe é que o Estado de Direito Democrático angolano protegido pela Constituição está a ter uma nova fonte de direito: as ordens da polícia secreta ou polícia política.
Ao mesmo tempo, a desorientação e a insegurança que as acções da polícia demonstram são surpreendentes. Agindo sem mandado legal e sem ordens claras da cadeia de comando normal, vê-se que a polícia hesita, tergiversa, bate e pede desculpa, prende e liberta. Trata-se de uma anarquia que vai reinando nos órgãos poder e que abre as portas aos “durões”, que pretendem impor a sua ordem através da força.
Entretanto, as declarações públicas vão sendo contaminadas por uma novilíngua orwelliana, sinal claro da deriva autocrática-policial. É assim que, por exemplo, para dizer “preso” se utiliza a expressão “recolhido”. Muito em breve, para dizer “preso” dir-se-á “livre”, para dizer “ditadura” dir-se-á “democracia”, para dizer “mal” dir-se-á “bem”.
É cada vez mais evidente: está em curso um vasto e intenso endurecimento do regime liderado pelos siloviks, mais do que um putativo desmantelamento de movimentos de jovens revolucionários, que servem de bodes expiatórios.
Artigo publica em Maka Angola.
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