You are here

Imperdoável!

É absolutamente imperdoável que governantes desta Região obriguem mulheres mastectomizadas a regressar, periodicamente – e, em muitos casos - ao mesmíssimo hospital que as acompanhou durante anos a fio, para levantarem as ajudas técnicas a que têm direito.

As mulheres afetadas pelo cancro da mama sofrem, com a angústia associada à gravidade da doença, que coloca em risco a sua vida. A esta inclemente angústia, junta-se uma outra, ou seja, a antecipação das consequências do tratamento a que devem ser sujeitas, o qual afetará a sua saúde, tanto física, quanto psicologicamente. E tudo se agudizará, ainda mais, para muitas delas, na medida em que a mastectomia vier a ser um procedimento obrigatório.

As mulheres mastectomizadas lutaram e lutam pela vida e contra o cancro, pelo que o seu sofrimento não deve - em circunstância alguma - ser desconsiderado, desprezado ou desvalorizado.

São mulheres que lidam, corajosamente, com uma alteração muito significativa do seu corpo e, consequentemente, da sua imagem, com efeitos inimagináveis para a sua auto-estima, os quais deverão ser atenuados (quando possível), através da reconstrução mamária ou, em alternativa, pela utilização de próteses e os respetivos soutiens adaptados.

Cada pessoa é única e irrepetível, tal como cada corpo.

Em consideração por tal facto, é incontornável que alertemos para os resultados desumanizadores do racionamento de custos - disfarçado de racionalização -, evidentes, na troca do modelo de comparticipação das ajudas técnicas, pela disponibilização dessas mesmas ajudas (mas uniformizadas!), pelos serviços hospitalares às mulheres mastectomizadas, as quais, dessa forma, se veem forçadas a formatar os seus corpos, sedentos de uma individualização que lhes restitua alguma da auto-estima perdida, ao longo de todo um processo de profundo sofrimento.

Não se trata de um luxo, nem de uma necessidade exclusiva das mulheres jovens, como se o corpo fosse uma máquina que perde peças e funções com a idade.

Trata-se do direito à dignidade e à individualidade, que não pode ser revogado por despacho ou portaria, tal como foi feito pelo Vice-Presidente do Governo Regional e pelo Secretário Regional da Saúde, ambos responsáveis pela Portaria n.º 52/2014, de 30 de Julho.

Desta Portaria resultou uma uniformização forçada, para quem não dispõe de condições financeiras, vendo-se, assim, obrigada a conformar o seu corpo a um molde único daquilo que é, por natureza, diferente.

Estamos a falar de mulheres que passaram anos das suas vidas a entrar e a sair de hospitais, sujeitas a tratamentos infindáveis e dolorosos, ansiosamente esperando pelas notícias que o ‘dia seguinte’ lhes traria. Quem teve a infelicidade de passar por um processo destes, sabe bem que só o cheiro característico das unidades hospitalares lhe causa calafrios.

Por tudo isto, é absolutamente imperdoável que governantes desta Região obriguem mulheres mastectomizadas a regressar, periodicamente – e, em muitos casos - ao mesmíssimo hospital que as acompanhou durante anos a fio, para levantarem as ajudas técnicas a que têm direito, impondo-lhes uma uniformização absurda, desumana e insensível.

E não me venham com a conversa de que, no continente, as coisas também se passam assim. E não me venham dizer que, agora, é tarde para protestar, porque a Portaria, em questão, está em vigor há quase um ano.

Senhor Vice-Presidente e Senhor Secretário Regional da Saúde! Não digam nada a ninguém e alterem, urgentemente, em nome da decência da vossa governança, este estado das coisas!

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Deputada à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, entre 2008 e 2018.
(...)