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Recuperar o que é nosso

Recuperar o que é nosso e nos tiraram como os CTT ou a TAP, a ferrovia para a Lousã ou o metro para Coimbra.

Aqui chegava e daqui partia uma automotora carregada de gente. Gente de trabalho que vinha ou ia de Coimbra para Miranda ou da Lousã para Coimbra. Os governos do bloco central prometeram, vezes sem conta, a esses muitos milhares de pessoas, uma ferrovia moderna e de qualidade que os poupasse a deslocações sem um mínimo de conforto. Os mesmos governos prometeram às gentes de Coimbra instalar uma linha urbana de metro ligeiro de superfície igual ao de tantas cidades europeias de dimensão e de prestígio idênticos ao de Coimbra.

Prometeram que era logo, depois que era já a seguir, depois que já só faltava uma assinatura, depois que não deixariam de dar prioridade ao assunto nos dinheiros de Bruxelas. Chegaram mesmo a esventrar a baixa da cidade. Mas a promessa foi mesmo só promessa, foi mentira e a baixa da cidade ficou deixada aos apetites da especulação mais gulosa. Os governos do PSD e do PS mentiram a Coimbra e ao seu distrito. Sucederam-se conselhos de administração que não administraram nada senão faltas de quórum, adiamentos, desengenharias financeiras e estratégias de adormecimento das populações. O povo pagou-lhes whisky e noitadas em bares de strip. Houve alguém que andou a viver acima das nossas possibilidades e não foi o povo da Lousã, nem de Miranda, nem de Coimbra.

Tudo isto passado, um governo do PS decidiu, cheio de determinação, pôr fim ao equívoco e mandou arrancar os carris. Era preciso porque a austeridade assim mandava. Às pessoas que esperaram décadas pela jurada ferrovia de qualidade, vendeu-se-lhes um horário de autocarros e a Coimbra deu-se a notícia de que o metro prometido era afinal uma fantasia e de que tudo não tinha passado de uma mentira. A austeridade tornara-se a única verdade e os direitos das pessoas passaram a ser luxos ou mera retórica para ocasiões eleitorais.

Ali havia laranjais antigos. E depois houve um Plano Diretor Municipal que abriu a porta ao betão com regras mínimas. E depois disso houve corrupção a sério, já julgada, que violou grosseiramente a lei e fez batota no jogo do costume em que o bloco central joga sempre na liga dos campeões, entre autarquia, construção civil e futebol. E agora há ali um monumento à corrupção que temo que vá caindo no esquecimento.

Ali mais à frente havia um edifício dos CTT, e outro, e outro ainda mais adiante. Estão fechados ou transformados em jogas de pechisbeques. Lá perto há um centro de saúde, dos que tem maior taxa de cobertura de população da cidade, cuja degradação envergonha qualquer país europeu. A Europa tem regras, não tem?... E havia por ali agências de dois ou três bancos em que as pessoas depositavam as suas poupanças sem pestanejar. Tantas foram as fraudes e os cambalachos que hoje fogem desses bancos pestanejando ainda menos. Mais ao fundo da avenida está a Segurança Social. Mas a palavra ‘segurança’ passou a ser dita com muito menos convicção por quem lá vai e por quem lá trabalha.

Este pedaço de Coimbra é uma síntese do país agredido pela austeridade e governado sempre pelos mesmos que a trouxeram para ficar. É a síntese de um país em que o que era nosso nos foi tirado e em que o que era dos que sempre tiveram tudo lhes foi ainda acrescentado, tornando-os em donos disto tudo. Esta Coimbra a quem mentiram, que lhes serviu para jogos de corrupção, com bancos em desfalque e com insegurança social generalizada é o Portugal que vai a eleições em outubro. Cada um/a de nós tem agora uma escolha: ou encolhe os ombros e se resigna a esta gigantesca operação de esmagamento dos pobres, dos jovens, dos desempregados, dos imigrantes, dos velhos, dos reformados, dos doentes, ou tem um assomo do brio que tiveram os gregos diante de todas as chantagens e dizem sonoramente NÃO!

A escolha não é entre a austeridade custe o que custar de Passos Coelho e Portas e a austeridade em suaves prestações mensais de António Costa. A escolha não é entre cortar nas pensões como propõem Passos Coelho e Portas e cortar na TSU como propõe António Costa. A escolha não é entre o Governo e o PS para ver qual deles é mais convictamente adepto de uma União Europeia que não se contenta enquanto o Governo grego não rastejar humilhado só porque não é amigo da ditadura da austeridade.

A escolha é entre a resignação e a coragem. É entre a democracia em que todos decidem das suas vidas, sejam barões ou camponeses e a tirania dos que mandam nisto tudo e silenciam quem incomoda o seu poder.

O Bloco de Esquerda vem a estas eleições para dar toda a força política a uma exigência essencial: recuperar o que é nosso. Recuperar os salários e as pensões e recuperar o honrar das obrigações do Estado para com os mais pobres. Recuperar o que é nosso e é vendido a pataco a governos estrangeiros e a empresários manhosos e recuperar o direito de decidirmos nós mesmos o nosso futuro. Recuperar o direito efetivo de todos/as à saúde, ao ensino, à justiça ou à segurança social e recuperar o princípio de que toda a gente tem direitos e não que uns têm direitos enquanto os outros talvez tenham a sorte de alguém generoso lhes valer. Recuperar o que é nosso e nos tiraram como os CTT ou a TAP, a ferrovia para a Lousã ou o metro para Coimbra. Recuperar o que é nosso e nos foi tirado como o salário ou o direito a ter um contrato de trabalho e não um biscate ou um estágio sem horizonte. Recuperar o que é nosso e nos foi tirado como a pensão de quem descontou uma vida inteira e agora a vê ser roubada fatia a fatia para salvar bancos que foram geridos por gangues financeiros.

Recuperar o que é nosso. Recuperar também a voz do Bloco de Esquerda de Coimbra no parlamento. Recuperá-la para que o país injusto, medíocre e corrupto que existe no nosso distrito tenha quem o denuncie sem temor, tenham quem o combata sem transigências e faça sentir aos que sempre mandaram que agora estão em risco. O compromisso dos nove homens e das nove mulheres que quiseram ser candidatos/as pelo Bloco de Esquerda em Coimbra é esse: dar voz no parlamento ao país que há no nosso distrito e a quem foi tirada a esperança em nome da diminuição de uma dívida que não parou de aumentar. E lutar com todas as forças para que Coimbra seja capital da dignidade, capital dos direitos, capital da justiça na economia e na sociedade e que seja por isso que ela é conhecida no país e no mundo.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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