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A liga dos admiradores do FMI

Há uns dias, um ex-governante socialista perguntava-me: já leste a coluna de hoje do líder de opinião da nova direita? Fui ler.

Escreve Vital Moreira, no seu estilo do-alto-da-escada-monumental-eu-vos-contemplo: “O Governo Syriza fez tudo para tornar a divida insustentável e agora invoca a insustentabilidade autoprovocada para reclamar a reestruturação da dúvida. Os contribuintes dos demais países da União que paguem os irresponsáveis desmandos do Syriza”. Portanto, a culpa foi do Syriza, eles é que tornaram a dívida insustentável e agora querem que paguemos a conta, coitados de nós. Prova do crime, o relatório do FMI da semana passada.

Eis o que o trecho que Moreira triunfalmente apresenta, apoia e cita para demonstrar o “desmando” do Syriza:

“o FMI acrescenta que se fossem tomadas as medidas recomendadas na última revisão do programa agora terminado, a dívida grega não se tornaria insustentável:

If the program were implemented as specified at the last review, debt servicing would have been within the recommended threshold of 15 percent of GDP on average during 2016–45 . This would require primary surpluses of 4+ percent of GDP per year and decisive and full implementation of structural reforms that delivers steady state growth of 2 percent per year (with the best productivity growth in the euro area) and privatization.”

Leia com cuidado, se faz favor. Diz o FMI e repete o embevecido Moreira: se a austeridade tivesse sido aplicada como convinha, o serviço da dívida seria 15% do PIB de 2016 a 2045. Trinta anos. Para garantir esse pagamento, a Grécia só teria que assegurar um saldo primário acima de 4%. Durante trinta anos seguidos. Mas para isso ainda seria preciso que tivesse um crescimento real anual de 2% durante trinta anos, o que implicaria nada menos do que o “melhor crescimento da produtividade da zona euro”. Durante trinta anos.

A mais forte economia da Europa, a Alemanha nunca teve saldos primários de 4% durante uma década seguida nos tempos modernos, quanto mais durante trinta anos. Ou seja, a condição imposta à Grécia é uma impossibilidade, nunca houve nada de comparável, é uma impostura.

A hermenêutica do texto sagrado do FMI produz estes absurdos: onde o FMI indica que o plano é impossível, Moreira ou Passos Coelho descobrem as virtudes salvíficas da política de austeridade. Para eles, quanto pior melhor, se se cobrarem ainda mais impostos ou se se reduzirem as pensões então sobrará para pagar aos credores e aos seus juros, estamos salvos.

Se tivesse lido este relatório como ele é, a demonstração triste do fracasso do “ajustamento”, Moreira não teria ficado estarrecido com o resultado do referendo. Agora, escreveu ele na noite do referendo, “só pode esperar-se o pior, ou seja, a impossibilidade de um acordo de assistência financeira a curto prazo e a rápida degradação financeira, económica, social e política na Grécia”.

O percurso fulminante de Moreira leva-o por isso a afastar-se da “austeridade inteligente” para se aproximar da versão bruta de Sigmar Gabriel e, entre nós, do PaF. Passos Coelho não podia ter melhor aliado nas diatribes contra a Grécia, que são o seu argumento eleitoral último. Humilhem os gregos, corram com eles, incendeiem Atenas, que nós, “os contribuintes dos demais países da União” não pagamos “os irresponsáveis desmandos” da esquerda. Faltava-lhe um “professor de direito de Coimbra pelo amor de Deus” para avalizar a sua pose austeritária.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 7 de julho de 2015.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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