You are here

Que os gregos comam os filhos

A verdade é que os gregos teimam em aspirar a ter uma vida normal e europeia, com um mínimo de condições sociais e de direitos garantidos.

Se os gregos têm fome, porque não comem os filhos? Quiçá porque não são a Irlanda do século XVIII ou porque o número de crianças atual não permita grande repasto, ou talvez porque os hospitais gregos raptam os recém-nascidos às mães que não pagam imediatamente as taxas de uso dos serviços de saúde. A verdade é que os gregos teimam em aspirar a ter uma vida normal e europeia, com um mínimo de condições sociais e de direitos garantidos. Um pecado de capital, pois os pobres, já o sabemos, devem ser humildes e contentinhos com aquilo que Deus (ou o Mercado) lhes destinou.

São palavras cruas que nascem do meu assombro em constatar que na Europa do século XXI as diferenças económicas transformaram-se em profunda divisão territorial e cultural. Os países ricos são credores e algozes dos outros, sem qualquer vestígio da solidariedade que levou à criação desta união europeia. Não é o euro e a sua economia que está apenas em causa, aliás, se os economistas se desvinculassem um pouco das máquinas de calcular, perceberiam que a economia é a ciência das trocas entre as pessoas e que, se os produtos mudam, apenas há uma constante na economia: a pessoa. Os seus instrumentos tecnocráticos e culturalmente ignorantes apenas conseguiram fazer regredir a Grécia, Espanha e Portugal para os anos sessenta, sem apelo.

Os nórdicos voltaram a ser industriosos e os meridionais preguiçosos sem desagravo. Ideologia fomentada por medíocres líderes europeus que o próprio Marcelo de Sousa alcunha de “mangas-de-alpaca”, salpicando inconscientemente Passos Coelho e Paulo Portas. Desde que a direita tomou o Parlamento Europeu assistiu-se aos maiores atavismos políticos do pós-guerra, com países em dificuldades financeiras em bicos-de-pés para agradar a credores e os países ricos a defenderem os interesses das suas instituições financeiras em vez da qualidade de vida dos povos europeus. Que falta faria um Roosevelt por estas bandas, alguém com determinação que conduzisse a Europa para o controlo da organizada anarquia financeira dos bancos e para o apoio às economias reais. Em vez disso, tivemos Durão Barroso, agora premiado com alto cargo no restrito clube dos ricos Bilderberg pelos favores prestados. Uma elite política europeia alimentada a brioches que ousa recomendar dieta à generalidade da população europeia, onde o desemprego anda nas duas décimas.

A pobreza tem crescido em toda a Europa e não por falta de dinheiro, pois o que mais escalou foi a diferença de rendimentos entre os pobres e os ricos. Quem pode afirmar que os empréstimos usurários salvaram um país que fosse? A Alemanha compra dinheiro a 0% de juros e empresta-o à Grécia a 10%. Será que se pode chamar a isto ajuda? O mesmo para Portugal, que tem hoje mais desempregados, emigrantes, pobres e dívida do que tinha em 2008, quando a crise rebentou e se aplicaram os remendos neoliberais por toda a Europa.

Os jovens portugueses, sabendo que poucas diferenças que há entre as fragilidades gregas e portuguesas, foram fugindo do país, com receio que amanhã estas ilustres sumidades aconselhem os pais famintos a comerem os seus filhos.

Sobre o/a autor(a)

Professor de História. Membro da Assembleia Municipal de Lagoa eleito pelo Bloco de Esquerda
(...)