Mota Soares ataca pensões por invalidez

porLuís Leiria

25 de June 2015 - 16:51
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Como se já não bastasse sofrerem de enfermidades incapacitantes e incuráveis, os doentes ainda têm de suportar os ataques cobardes do ministro.

O ministro da Segurança Social anunciou no dia 16 de junho que o governo vai acabar com “a lista de doenças incapacitantes atualmente em vigor” para a atribuição de pensões de invalidez. Segundo Mota Soares, atualmente “a invalidez é reconhecida, não pelas consequências da doença e do seu impacto na pessoa mas se consta ou não num rol de doenças abrangidas”. E sublinhou: “em vez de olhar à pessoa e à sua incapacidade, só olha ao nome da doença”.

E mais disse que a lista se torna “extremamente injusta”, porque não consegue “prever todas as doenças, todas as situações, todos os graus de invalidez”, dando como exemplo moléstias como a fibromialgia que não constam da tal lista.

Assim, o ministro anunciou que o acesso à proteção especial na invalidez vai passar “a depender da verificação de condições objetivas especiais de incapacidade permanente para o trabalho, independentemente da doença causadora da situação de incapacidade”.

E os pacientes de doenças incuráveis e extremamente incapacitantes, como a esclerose múltipla, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a doença de Parkinson ou a doença de Alzheimer, a paramiloidose familiar, a doença de Machado-Joseph, a Sida ou as doenças de foro oncológico, que são abrangidos atualmente por um regime especial que lhes permite obterem uma pensão por invalidez em condições especiais viram-se subitamente como alvo dos ataques do ministro. Como se fossem privilegiados a beneficiar-se de uma exceção injusta.

Manipulações e mentiras

Acontece que tudo o que o ministro disse é manipulador e mentiroso e visa lançar um balão de ensaio que tem como fim óbvio acabar com o regime especial de invalidez. É um ataque cobarde a pessoas que lutam para sobreviver a doenças incuráveis e atrozes.

Vejamos, uma a uma, as falsidades do ministro.

Há uma primeira mentira baseada numa omissão. Pelas palavras do ministro, os jornalistas concluíram que só tem direito à reforma por invalidez quem sofre de uma doença que conste da tal lista. Ora isto não é verdade.

As pensões por invalidez do regime geral da Segurança Social são definidas e atribuídas de acordo com o decreto-lei nº 187/2007 de 10 de maio, e não consta dele qualquer lista de doenças incapacitantes. O trabalhador que ficou incapacitado para o trabalho, por doença, seja ela qual for, apresenta-se diante de uma Junta Médica, levando consigo todos os relatórios e exames médicos que atestem a sua incapacidade; e a Junta analisa a sua situação e decide se deve ou não ser atribuída uma pensão de invalidez ao requerente, e se a invalidez é absoluta (total incapacidade para trabalhar) ou relativa (a incapacidade impede-o de obter na sua profissão mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal).

Regime especial para doenças especiais

Onde foi então buscar o ministro a dita lista de doenças incapacitantes? À lei 90/2009, de 31 de agosto, que estabelece um regime especial de proteção na invalidez, abrangendo os pacientes das doenças acima mencionadas. Em que é que esse regime é especial e difere do geral? Num cálculo mais favorável do valor das pensões e condições menos exigentes para o acesso a esse benefício. E o que têm em comum estas doenças? O facto de serem crónicas, incuráveis e extremamente incapacitantes e, em muitas casos, lançarem na invalidez pessoas que estariam, sem a doença, no apogeu das suas capacidades.

Ao contrário do que afirmou Mota Soares, não basta ter a doença para receber a pensão. Todos os pacientes têm de comparecer a uma Junta Médica que decide sobre a atribuição ou não da pensão.

Mas, ao contrário do que afirmou Mota Soares, não basta ter a doença para receber a pensão. Todos os pacientes têm de comparecer a uma Junta Médica do Sistema de Verificação de Incapacidades, que decide sobre a atribuição ou não da pensão baseada na sua própria observação e no relatório médico e exames clínicos.

O ministro argumenta que doenças como a Fibromialgia não fazem parte desta lista. Mas isso não se resolve acabando com a lista – o que significaria acabar com o regime especial de invalidez – mas ampliando-a a doenças que se julguem equivalentes às que já constam. Por exemplo, a Doença de Parkinson e a de Alzheimer só foram incluídas no regime especial em 2009, por iniciativa, aliás do Bloco de Esquerda.

Um doente de Alzheimer é privilegiado?

Resta então a pergunta: o que faz correr o ministro Mota Soares? Por que manipula as informações desta forma, por que diz tanta falsidade e ataca os pacientes destas doenças incuráveis?

Será que o ministro considera que uma pessoa com Alzheimer é privilegiada? Que uma pessoa que sofre de Doença de Parkinson não merece por parte do Estado uma atenção especial?

Ou será que o ministro quer simplesmente acabar com o regime especial para economizar mais uma verba no orçamento do Estado, pondo fim ao cálculo mais favorável das pensões deste regime?

Este ataque deve ser levado a sério. Este governo já nos deu mais do que provas de que não tem um pingo de compaixão pelas pessoas mais vulneráveis – muito pelo contrário. É hora de as associações que organizam e lutam pelos direitos destes doentes se reunirem para denunciar as más intenções de Mota Soares.

Uma palavra final para os média mainstream, que noticiaram as afirmações do ministro sem qualquer verificação ou contraditório, sem sequer consultar a legislação para verificarem a correção ou não das afirmações do ministro. Fizeram um mau serviço à opinião pública, deram uma demonstração que o jornalismo preguiçoso e oficialista está a prevalecer por todos os lados. Chegou-se à situação caricata de um fórum de opinião de um canal de notícias ficar a discutir as alterações anunciadas pelo governo sem que a entrevistadora e o “especialista” convidado tivessem, pelo menos, uma vaga ideia sobre o que estavam a discutir.

Declaração de interesses: o autor recebe da Segurança Social uma pensão por invalidez parcial devido às consequências da Doença de Parkinson diagnosticada há cinco anos. Para se candidatar aos benefícios previstos por lei (para além da pensão do regime especial, alguns benefícios fiscais), compareceu a duas Juntas Médicas.  

Luís Leiria
Sobre o/a autor(a)

Luís Leiria

Jornalista do Esquerda.net
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