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A maior mentira da internet: “Li e concordo com os termos de uso”

Um repórter britânico atreveu-se a examinar, por uma semana, os “termos de uso” de todos os serviços que utiliza na rede. O que descobriu vai do bizarro ao trágico. Por Gabriela Leite, em Outras Palavras.
Ilustração de Tom Fish Burne

A maior mentira da internet: “li e concordo com os termos de uso”. Pudera: quem tem tempo ou paciência para o calhamaço de letras miúdas com texto muitas vezes incompreensível que vem antes de nos registarmos numa rede social ou instalarmos um programa? O problema é que estamos a assinar um contrato sem nos darmos conta do que podemos perder. Para entender melhor onde estamos a meter-nos, o jornalista Alex Hern, do The Guardian, resolveu desafiar-se e escrever sobre isso. Decidiu que leria todos os termos de uso de serviços que fosse usar, numa semana.

O que primeiro chama a atenção, no seu relato, é a quantidade de tempo perdida com leituras maçadoras. Segundo ele, toda a sua leitura da semana junta — incluindo termos do Facebook, telemóvel e até videojogos — equivaleria a um livro com mais ou menos três quartos do tamanho de Moby Dick, livro do norte-americano Herman Melville que pode ser colocado de pé. Hern conta como a Apple, tão conhecida pelo design e usabilidade de seus aparelhos e sistemas, é a que tem pior texto, com alguns blocos todos em letra maiúscula, impossível de ler — e, pior de tudo, desatualizado.

Isso é um detalhe ao pé do problema real dos termos de uso. Afinal, tecnicamente, a empresa pode escrever o que quiser, sabendo que a imensa maioria dos utilizadores vai concordar sem ler. É comum que elas escrevam, por exemplo, que não garantem a qualidade ou mesmo o funcionamento do seu serviço — Hern dá como exemplo disso, o seu fornecedor de internet.

Mas a questão pode ser ainda mais complicada quando tratamos de privacidade ou direitos autorais. Alguns casos ficaram famosos, como quando foi descoberto que o Facebook vendia os dados de seus utilizadores para empresas. Além dele, o Twitter também diz, nos seus termos (mais bem escritos, segundo Hern), que pode utilizar os textos dos twits publicados nele: “você nos outorga uma licença mundial gratuita, não exclusiva (com direito a sublicenciar) para usar, copiar, reproduzir, processar, adaptar, modificar, publicar, transmitir, exibir e distribuir esse Conteúdo em qualquer e em todos os tipos de media ou métodos de distribuição”.

Os termos de uso, conclui Hern, não são nada diferentes de um contrato que você firma sem saber e sem poder, ao menos, barganhar. Ainda mais quando se trata de serviços gratuitos como redes sociais — onde, como se diz, se você não está a pagar, é porque não é o cliente, mas o produto… Mas termos de serviço também vêm em telemóveis e videojogos. Hern resolveu ler o contrato do seu videojogo Playstation, da Sony. Descobriu que uma das sanções que a empresa aplica para dezenas de comportamentos considerados “errados” (que vão desde piratear a simplesmente não atualizar o sistema) pode ser a inutilização completa do aparelho — a sua consola passa a ser um mero tijolo ao lado da televisão.

Mas o que fazer, então, se não há outra opção senão concordar? Não há saída fácil, mesmo existindo, por todo o mundo — inclusive no Brasil — leis que permitem anular cláusulas abusivas de um um contrato que não pode ser negociado, mesmo que você o tenha assinado. Ler os termos, termina Hern, no final das contas, não serve para nada — é melhor nem ler, mesmo.

Mas o que fazer, então, se não há outra opção senão concordar? Não há saída fácil, mesmo existindo, por todo o mundo — inclusive no Brasil — leis que permitem anular cláusulas abusivas de um um contrato que não pode ser negociado, mesmo que você o tenha assinado. Ler os termos, termina Hern, no final das contas, não serve para nada — é melhor nem ler, mesmo. Mas Agustín Reyna, da BEUC, organização de direitos do consumidor europeia, é otimista. Ela mostra que existiram grandes protestos de utilizadores que conseguiram fazer empresas voltar atrás em termos abusivos. Foi o caso do Instagram, que desistiu de impor um contrato de uso segundo o qual ele próprio “assumia” o direito de vender, para fins publicitários, as fotos postadas pelos utilizadores…

Para a especialista, as empresas não deverão seguir com esses contratos não transparentes por muito tempo, pois isso afeta sua confiança e espanta utilizadores — principalmente após as preocupações com privacidade que só têm crescido. Mas Hern questiona: você vai mesmo deixar de usar o Facebook se ele incluir um novo termo agressivo aos seus direitos? Depois de todos esses anos?


Artigo de Gabriela Leite, publicado no portal Outras Palavras.

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