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Grécia: elogio do otimismo relutante

O poder europeu aposta tudo na humilhação da Grécia e na cedência do governo grego. Mas todos sabem que a expulsão deste país do euro terá consequências que transcendem em muito a Grécia. E chegarão também a Portugal.

Aproxima-se um momento decisivo para a Europa e vale tudo. Christine Lagarde, do FMI, diz que só haverá acordo “se houver adultos na sala”. Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, ameaça que a zona euro “está preparada para todas as eventualidades”. Martin Schulz, que lidera os socialistas no Parlamento Europeu, exalta os seus estados de humor: “os gregos, especialmente Varoufakis, enervam-me”. Cavaco, não dando para mais, faz eco: a Grécia é um “acidente da zona euro” e a Europa “não pode ceder a chantagens”.

Mas afinal, de que falamos? Da recusa do Governo grego de aceitar o corte nas pensões e a subida do IVA para receber um tranche que faz parte do último resgate e que já devia ter sido entregue em agosto de 2014: 3,5 mil milhões do FMI, 1,8 mil milhões do Fundo de Estabilidade Financeira e 1,9 mil milhões que o Banco Central Europeu deve à Grécia, correspondentes aos lucros obtidos com as obrigações gregas – e que tinham de já ter sido devolvidos.

Nos anos de austeridade, a Grécia reduziu a sua despesa pública em 21%. Não há nenhum país do mundo que, em tão pouco tempo, tenha feito uma coisa semelhante. Em quatro anos de austeridade, e com todos os cortes que sofremos, Portugal não chegou nem perto disso. As consequências deste encolhimento brutal do estado grego são conhecidas: o país mergulhou numa longa depressão económica e numa profunda crise humanitária, com o desemprego a chegar aos 26% (mais de 50% entre os jovens), 3 milhões de pessoas sem acesso a cuidados de saúde e com níveis de miséria jamais vistos. As pensões diminuíram 61%, colocando 45% dos pensionistas abaixo do limiar da pobreza. A dívida pública, em vez de diminuir, obviamente aumentou. Em 2009 era 115% do PIB. Depois das doses cavalares de austeridade passou para 177%, em 2014. E o dinheiro dos empréstimos da troika à Grécia (254 mil milhões) foi basicamente para o sistema financeiro e para salvar a banca francesa e alemã (180 mil milhões), procedendo-se à maior nacionalização de risco privado à escala mundial.

Ou seja, na Grécia, deu tudo errado. Tudo. O povo grego percebeu e quis mudar – é esse o significado da eleição do Syriza.

É por isso que o que as instituições europeias estão a propor à Grécia é, pura e simplesmente, uma loucura. O plano do FMI e das instituições europeias passa pelo corte nas pensões (correspondente a 1% do PIB) e pelo aumento do IVA (em valor semelhante). O efeito seria imediato: uma nova recessão. De acordo com o Financial Times, o “plano dos credores” tem como consequência uma redução de 12,6% da riqueza do país. Ou seja, o que está a ser proposto é uma versão agravada de uma receita que falhou de forma monumental.

A proposta é tão alucinante que há cada vez mais vozes contra este absurdo. Um conjunto de economistas, liderados pelo Nobel da Economia Jospeh Stiglitz, fez no início do mês um apelo ao bom senso das instituições europeias: “É errado pedir à Grécia para se comprometer com um programa velho que manifestamente falhou, foi rejeitado pelos eleitores gregos e que muitos economistas (incluindo nós próprios) acreditam ter sido errado desde o início”. Wolfgang Münchau, um dos principais colunistas do Financial Times, assinava esta semana um artigo com o título “A Grécia não tem nada a perder em dizer não aos credores”. Para Münchau, um conservador, o plano europeu é um desastre e seria um duplo suicídio para a Grécia. Também o chanceler austríaco declarou, há dois dias, que estava “do lado da população grega” porque “lhe está a ser proposto mais coisas prejudiciais à sociedade". Em Atenas, milhares de pessoas saíram ontem à rua para apoiar a posição do Governo.

O que surpreende, então, a burocracia europeia? É que a gente que está à frente do Governo grego é de facto diferente daquilo a que estamos habituados. Para espanto geral, levam a sério o que disseram antes das eleições e têm o povo do seu lado. Desconcertam os rituais da vassalagem europeia (veja-se a entrevista de Varoufakis ao The Times). E são capazes de negociar (aceitaram alterar as metas do défice, por exemplo) sem que isso signifique capitularem perante uma receita que todos sabem que vai falhar e que fará com que a Grécia fique pior.

O poder europeu aposta tudo na humilhação da Grécia e na cedência do governo grego. Mas todos sabem que a expulsão deste país do euro terá consequências que transcendem em muito a Grécia. E chegarão também a Portugal. Da Europa, já pouco há a esperar. Mas este é o tempo de pôr todas cartas em cima da mesa. Os gregos já mostraram que estão nisto a sério. Por isso, talvez o “otimismo relutante” de Varoufakis acabe mesmo por vencer o cinismo dos eurocratas.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt em 19 de junho de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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