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O último 10 de Junho

Comecemos pela boa notícia: este foi o último discurso de Aníbal Cavaco Silva num 10 de Junho. Cavaco foi um Presidente de fação, que conduziu o seu mandato no apoio ao essencial das políticas que a direita procurou meter em prática nestes anos.

Comecemos pela boa notícia: este foi o último discurso de Aníbal Cavaco Silva num 10 de Junho. O ainda Presidente da República deixará o cargo daqui a seis meses e isto não pode ser senão celebrado. Cavaco foi uma figura sem dimensão institucional para o cargo porque foi incapaz de fazer da Presidência um lugar de amplificação dos anseios populares e de garantia dos direitos constitucionais. Pior ainda, foi um Presidente de fação, que conduziu o seu mandato no apoio ao essencial das políticas que a direita procurou meter em prática nestes anos. O sonho de Sá Carneiro – uma maioria, um governo, um presidente – concretizou-se. E a hegemonia política da direita converteu-se no pesadelo a que assistimos nos últimos anos.

Olhemos para o discurso feito em Lamego para confirmá-lo. Cavaco referiu-se a um país que “viveu recentemente tempos muito difíceis” – assim mesmo, com o verbo no passado – e notou a “recuperação gradual da nossa economia”. Como quem faz o rescaldo do jogo, notou que “os portugueses foram exemplares na atitude, na coragem e no sentido de responsabilidade.” “Fomos obrigados a fazer grandes sacrifícios”, adianta Cavaco, tentando contornar o que se tornou claro nesta legislatura: que a troika e as políticas de austeridade não foram para PSD e CDS uma circunstância indesejável que tiveram de gerir e que procuraram ultrapassar. Foram uma oportunidade.

Na verdade, a austeridade em curso foi a forma que a direita teve de aplicar o seu programa histórico, que não conseguiria fazer vingar de outra forma. A troika só aparentemente fez as malas. A austeridade e os constrangimentos ficaram cá. É a erosão do Estado social, os cortes nas prestações sociais e o ataque às pensões e aos salários. São as privatizações, os despedimentos e a precariedade que alastra. São as desigualdades e o empobrecimento económico, social e cultural. É a dívida como garrote e Tratado Orçamental como limite. Questioná-los é condição para libertar o país. Mas é necessário algo mais: uma forte mobilização social e política que permita que esses eixos se transformem numa realidade efetiva.

Sem isso não haverá alternativa. Haverá o caldo pastoso do grande centrão ou um discurso diferente para uma política que não o será. Cavaco tem nomes para isso. Chama-lhe “estabilidade política”, “governabilidade” e “razões fundadas para encararmos o futuro com mais otimismo e mais confiança.” Se descermos aos conteúdos, percebemos que a esperança do ainda Presidente não é a que convém à imensa maioria.

Sobre o/a autor(a)

Historiador, doutorado em História, investigador do CES/UC.
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