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O enorme dano causado pelas ineficazes políticas de austeridade

Para medir a eficácia destas políticas não basta mostrar que existe agora crescimento económico, é preciso ter em conta também o tempo que demorou para a economia crescer de novo. Por Vicenç Navarro, Público.es
Robert Skidelsky: Longe de serem eficazes, as políticas de austeridade causaram um estrago enorme, não só em sofrimento humano como também em termos económicos. Foto de Chris Boland
Robert Skidelsky: Longe de serem eficazes, as políticas de austeridade causaram um estrago enorme, não só em sofrimento humano como também em termos económicos. Foto de Chris Boland

Existe hoje um debate no mundo anglo-saxão que tem uma grande relevância para a Espanha e que, no entanto, não apareceu nos seus maiores meios comunicação. O que se discute é se as políticas públicas de austeridade (que consistem em cortes dos gastos públicos e na redução dos salários) foram eficazes ou não para recuperar a economia, ajudando-a a sair da Grande Recessão. De um lado deste debate está Niall Ferguson, que nas páginas do Financial Times disse que sim, que foram eficazes, mostrando o crescimento económico do seu país, o Reino Unido, de 2,6% do PIB no ano de 2014, como prova disso (ver The UK Labour party should blame Keynes for their election defeat, Financial Times, 10.05.15). Segundo este autor, as medidas de austeridade impostas pelo governo conservador do Sr. Cameron causaram esta recuperação, retomando o crescimento económico. É interessante assinalar que o presidente Rajoy também afirmou que a “recuperação económica”, com uma taxa de crescimento do PIB espanhol de 1,4% no ano passado, mostra que as suas políticas de austeridade foram necessárias e eficazes para que a economia espanhola saísse da Grande Recessão.

No outro lado do debate existem vários autores, dos quais o mais conhecido é Robert Skidelsky, que defende que, longe de serem eficazes, essas políticas atrasaram enormemente a recuperação económica, causando um grande sofrimento à população, que não serviu para nada (ver Niall Ferguson's Wishful Thinking, Social Europe Journal, 28.05.15). O que este autor afirma é que para medir a eficácia destas políticas não basta mostrar que existe agora crescimento económico, é preciso ter em conta também o tempo que demorou a economia a crescer de novo. Segundo Skidelsky, as políticas de austeridade, longe de serem eficazes para recuperar o crescimento, o que fizeram foi atrasá-lo. Mostra como em todos os anos em que a austeridade foi o eixo central das políticas públicas houve um estancamento do crescimento económico, e que só quando essas políticas foram atenuadas a economia cresceu de novo. Na realidade, essas políticas deixaram em tão mau estado a economia britânica, que esta só irá recuperar-se, atingindo os níveis anteriores ao início da crise (2008), dentro de nove ou dez anos a partir de agora. Definir estas políticas como bem sucedidas é, segundo este autor, absurdo. Longe de serem eficazes, causaram um estrago enorme, não só em sofrimento humano como também em termos económicos. O mesmo poderia dizer-se no caso espanhol, em que, como resultado dessas políticas, houve um enorme atraso da recuperação económica, prevendo-se que em dez ou mesmo quinze anos não vão recuperar-se os indicadores anteriores à crise.

A dívida pública continuou a crescer

A redução da economia, consequência da longa recessão, gerou um crescimento da dívida pública, passando (durante o período de austeridade) de 69% a 80% do PIB no Reino Unido, o oposto precisamente do que se procurava obter com os cortes dos gastos públicos e a redução do défice público. De novo, uma situação idêntica ocorreu em Espanha. Apesar dos grandes cortes de gastos públicos, incluindo o gasto público social, a dívida pública de Espanha disparou, chegando quase a 100% do PIB. Definir esta situação como bem sucedida é abusar da flexibilidade da linguagem, refletindo uma capacidade de manipulação que deveria ser denunciada.

Como bem assinala Skidelsky, a experiência histórica mostra claramente que a melhor maneira de reduzir a dívida pública é estimular o crescimento económico, precisamente com base no aumento dos gastos públicos.

Como bem assinala Skidelsky, a experiência histórica mostra claramente que a melhor maneira de reduzir a dívida pública é estimular o crescimento económico, precisamente com base no aumento dos gastos públicos. O caso mais conhecido é a saída dos Estados Unidos da Grande Recessão. E outro semelhante ocorreu no Reino Unido. Neste país, a dívida pública passou de representar 240% do PIB em 1945 a 64% em 1970, após 25 anos de crescimento económico. Esta experiência justifica, na verdade, a resistência por parte do governo do Syriza a continuar a aplicar as políticas de austeridade que o establishment neoliberal europeu e o FMI continuam a insistir que sejam aplicadas na Grécia.

Este debate deveria dar-se também em Espanha, onde essas políticas de austeridade criaram um desastre (e não há outra maneira de o definir) que é inclusive maior que no Reino Unido, consequência de não controlar a sua própria moeda (o que não ocorre no Reino Unido, que tem a sua própria moeda e o seu banco central). Daí que a crise tenha sido maior em Espanha que no Reino Unido, e o tempo de recuperação vá ser bem mais longo e extenso do que naquele país. E, a isto, o establishment financeiro, económico, político e mediático chama de Recuperação. Não têm vergonha.

4 de junho de 2015

Vicenç Navarro

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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Sobre o/a autor(a)

Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha).
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