You are here

Complemento salarial: o debate para uma esquerda decente

Porfírio Dias, membro do secretariado nacional do PS, retomou o debate à esquerda sobre a proposta de complemento salarial. Mas de que complemento falamos, afinal?

Porfírio Dias, membro do secretariado nacional do PS, retomou o debate à esquerda sobre a proposta de complemento salarial apresentada pelo documento dos economistas: "Esta prestação seria mais abrangente do que o subsídio de desemprego, que exclui a larga maioria dos desempregados. Este fenómeno de trabalhadores pobres preocupa o PS na ótica da defesa da dignidade do trabalho".

Mas de que complemento falamos, afinal? O documento dos economistas fala numa despesa anual de 350 milhões a partir de 2016. Segundo o INE, 483 mil trabalhadores não auferiram mais do que 411 euros mensais (limiar da pobreza) no ano de 2013. Deste total de "trabalhadores pobres", 160 mil recebem menos de 310 euros (valor de referência do INE), dos quais 134 mil são trabalhadores dos serviços. A incidência do subemprego (part-time involuntário) ronda os 60% neste escalão.

Destes números, projeta-se uma dotação média mensal de 60 euros por trabalhador, admitindo uma forte variação indexada ao nível de rendimentos e número de filhos. Acontece que estes trabalhadores já podem recorrer a dois tipos de apoios, o Rendimento Social de Inserção, atribuído a cidadãos, trabalhadores ou não, com rendimentos inferiores a 178,15€, e o subsídio social de desemprego, atribuído a trabalhadores que não alcançaram o tempo mínimo de descontos para aceder ao subsídio de desemprego ou que tenham esgotado o tempo desta prestação, não podendo ter por elemento do agregado familiar um rendimento mensal superior a 335,38 EUR (corresponde a 80% do valor do IAS).

Estes dois apoios correspondem a uma dupla proteção do trabalhador.

1.A atribuição do RSI não está dependente da relação salarial, uma vez que mesmo quem não consegue emprego pode aceder, impedindo, como apontou o José Gusmão, que o complemento ao salário seja utilizado como arma negocial dos patrões para pagar salários mais baixos.

2. O subsídio social de desemprego permite uma separação clara entre períodos de desemprego e trabalho, usada exclusivamente em favor dos trabalhadores. Esta separação diminui o risco de uma imposição salarial desfavorável a quem trabalha.

Uma esquerda socialista que respeita o seu património não desiste dos instrumentos necessários para enfrentar este problema. Apoios como o RSI ou o subsídio de desemprego precisam, é certo, de uma mobilização capaz de limpar o ranço de preconceito, discriminação e intolerância que cinco anos de austeridade e um ministério do CDS legaram ao país em matéria de apoio social. Por isso, quando o PS promete alcançar em 2019, em matéria de RSI, os níveis de... 2011, não está a fazer parte desse esforço.

Quem omite a política de salário mínimo no cenário macroeconómico e defende "moderação no crescimento dos custos das empresas com o fator trabalho", não peca ao tratar os níveis de rendimento como uma política de oferta de mão-de-obra mais do que como acesso ao consumo e ao bem-estar. Por isso é interessante ver João Galamba argumentar que "O complemento salarial não diz que a culpa do desemprego é dos trabalhadores, nem pretende dar incentivos a trabalhar", quando o PS, na resposta ao PSD diz precisamente que "a introdução de um complemento salarial para os trabalhadores de mais baixos rendimentos permitirá incentivar a oferta de trabalho por parte de trabalhadores desempregados, muitos deles de longa duração, e com baixos níveis de qualificações."

Por fim, a decência de um debate faz-se pelo respeito à história de um País. Em 1989, havia em Portugal 8 empresas de trabalho temporário. Empregavam uma insignificância da força de trabalho. Em 2011 eram já 266 as ETT que empregavam perto de 400 mil pessoas (8% da população empregada). Contratos semanais, precarização total, salários abaixo do salário mínimo anual. O Partido Socialista, que neste período foi mais anos governo que o PSD e que tem sentado na sua bancada o provedor das ETT, bem se arrisca a morder a língua quando agora nos fala no combate à precariedade e aos baixos salários.

Uma esquerda que em 2016 tenha a coragem de romper com o Tratado Orçamental, retirando aos juros da dívida o que é necessário em criação de emprego e respeito pelas pessoas, faz as suas escolhas. A elevação do patamar de atribuição do RSI a todos os que estão abaixo do limiar de pobreza, terminando a era da vexação pública dos contratos de emprego e inserção, assim como o alargamento consequente e necessário dos apoios aos desempregados, bem podem ser as primeiras dessas escolhas.

Artigo publicado no blogue Inflexão

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, dirigente do Bloco de Esquerda e ativista contra a precariedade.
(...)