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Seniores, todas e todos

O calendário diz que chegou o tempo de definir um caderno de reivindicações muito concretas para executar no curto prazo. Para os pensionistas e reformados a justiça é agora porque amanhã pode ser tarde demais.

1. Sénior? Eu também. A condição de sénior não diz respeito apenas a uma parte da sociedade, aos seniores propriamente ditos; afeta, incomoda mesmo todos os cidadãos. Atingir aquele patamar do ciclo de vida não é nenhuma regalia, um exclusivo para alguns. Não há nesta evolução nada, rigorosamente nada, de elitismo. Todas e todos chegarão lá. As condições em que chegarão ou as condições em que viverão esse tempo é que serão diferentes. E é contra essas diferenças que, todas e todos, lutamos. Contra a intranquilidade que passou a caraterizar esta fase da vida de um quarto da população portuguesa. Entre os cerca de dois milhões e meio de pensionistas e reformados portugueses encontram-se as situações mais diversas e essa variedade constitui um fator de desequilíbrio que o governo tem aproveitado. Aos pensionistas e reformados cabe, num último esforço, não permitir que tapem a floresta com uma árvore ou que lhes atirem areia para os olhos. E este último esforço, por vezes física e emocionalmente bem pesado, tem de se concentrar no essencial. A luta começa aí, pelo essencial. Sem esquecer que têm pela frente um longo e complexo “caderno reivindicativo” e sem ilusões quanto ao seu possível cumprimento no curto prazo. Não se ganham lutas desta envergadura no curto prazo; o que se ganha é a confiança na própria luta, é o alargamento da luta e é a passagem de testemunho. Para os pensionistas e reformados falar de eventuais correções daqui a 4 ou 5 anos só pode constituir uma brincadeira de mau gosto, nada mais do que hipocrisia. O tempo de vida de cada pessoa é imponderável; quando o que está em causa é a vida dos pensionistas e reformados, dispensa-se qualquer explicação. Pensionistas e reformados acreditam apenas em cada passo; se a luta criar raízes e progredir etapa a etapa, já valeu a pena. Se todas e todos concordamos como tudo isto ainda é incipiente, bom, não parece restarem muitas alternativas senão aprofundar a luta, avançar.

2. Não admira a intranquilidade. De supetão, a intranquilidade entrou porta dentro e instalou-se. As razões da intranquilidade são muitas mas existe um denominador comum. As expectativas alimentadas durante décadas viraram incertezas. O dia-a-dia como os seniores o conheciam deixou de ser, da noite para o dia, aquilo para que estavam preparados. O que contava subitamente foi subvertido. A violência desta subversão não atinge apenas os pensionistas e reformados. Envolve o círculo familiar, ameaça laços familiares e solidários. A inter-ajuda geracional é posta em causa mau grado todo o empenho que possa subsistir. A fatia substancial roubada pelas medidas governamentais a coberto das imposições da Troika, mês após mês inevitavelmente abalam qualquer vida e comportamento. Os pensionistas e reformados não sofrem apenas em resultado das brutais reduções do valor da pensão. Os que estão nesta situação são, em função do universo de pensionistas e reformados, relativamente poucos (o que obviamente não elimina as razões de queixa, de descontentamento e de ira) revelando, aliás, como o nível de pensões e reformas é tão absurdamente baixo. Para os pensionistas e reformados que auferem pensões ou rendimentos iguais ou inferiores ao Salário Mínimo Nacional; quando estes rendimentos estão congelados; quando o aumento imparável do custo de vida prossegue; quando o preço excessivo dos medicamentos se agrava; quando o mau funcionamento crescente do Serviço Nacional de Saúde nas suas várias vertentes se faz dolorosamente sentir, faltam palavras para descrever a iniquidade.

3. Fazer justiça, claro. Não podemos deixar que os argumentos contra os pensionistas e a favor da contenção do défice façam o seu caminho. Compete aos governos encontrar a forma de não destruir a coesão social, de cumprir os contratos sociais estabelecidos, de defender o estado social, de garantir a dignidade dos cidadãos. Sempre que um governante refere a austeridade como uma inevitabilidade, avaliará a crueldade das medidas adotadas, como elas destroem a vida dos seniores?! Antes que as nossas forças se esgotem, concentremo-nos sobre as questões mais óbvias de fazer justiça sem esquecer a solidariedade. Foi na base do valor da pensão “contratualizado” que os pensionistas e reformados planearam a última etapa da sua vida pelo que a reposição desse valor da pensão constitui a primeira prioridade. Qualquer medida que esfrangalhe essa expectativa é indigna de um Estado de direito. Esta é, portanto, uma frente da luta. Para outros pensionistas, reformados ou beneficiários de rendimentos de caráter social, a luta deve centrar-se sobre a reconquista dos direitos sociais perdidos e também pela exigência de subida imediata dos valores desses rendimentos, humilhantes de tão ínfimos e que nos envergonham. E porque todas e todos somos um quarto da população, façamos juntos e solidários esta luta. A minha, é a tua luta; a tua, é a minha luta. Os interesses individuais ou de grupo, esses, não servem a nossa luta.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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