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O pretexto da repressão

Com o acentuar da luta de classes a burguesia europeia aumentará gradualmente os mecanismos repressivos do Estado, tentando eliminar qualquer oposição à imposição da austeridade.

Com o deflagrar da crise estrutural do sistema capitalista a burguesia europeia respondeu com austeridade contra os trabalhadores, estudantes, reformados e pensionistas. Se para muitos foram passadas as responsabilidades de pagar a crise através do desemprego, da pobreza e da exclusão social, para uns poucos coube o recolher dos lucros, dos benefícios da austeridade com o desmantelamento dos serviços públicos, das privatizações e da desvalorização do trabalho. Em consequência da deterioração do nível de vida dos trabalhadores, estudantes, reformados e pensionistas aluta de classes exacerba-se, principalmente quando lhes é percetível que as condições lhes podem ser favoráveis.

Mas se o aparelho repressivo e ideológico da burguesia se vê em dificuldades com o acentuar da luta de classes e a crescente ameaça que esta representa para o seu monopólio do Poder, como o aumento das manifestações anti-austeridade, nascimento e fortalecimento de movimentos sociais e a disputa do espaço político-ideológico demonstram, é então necessário fortalecerem-se os mecanismos repressivos, através, por exemplo, da Lei Mordaça em Espanha e do apelidado Patriot Act francês. Se a manipulação ideológica não chega, então passa-se para o nível seguinte: a repressão dos direitos e até mesmo física.

A Lei Mordaça tem como objetivo desincentivar e reprimir o livre exercício do direito à liberdade de reunião pacífica e de associação, através da aplicação de coimas entre 30 mil a 60 mil euros, bem como à difusão de imagens de agentes policiais que participem em despejos pela via de coimas entre os 600 e os 30 mil euros. Esta lei demonstra o quanto as elites espanholas se sentem ameaçadas com a formação e crescimento dos vários movimentos sociais e formação do “Podemos”. A democracia-liberal é benéfica enquanto estiver de acordo com os seus interesses, pois quando vai contra é preciso limitá-la, reprimi-la.

O caso francês é diferente. Os atrozes atentados contra o Charlie Hebdo e a mercearia judaica, em Paris, perpetrados por fundamentalistas islâmicos pertencentes ao autodenominado Estado Islâmico e à Al-Qaeda da Península Arábica, apresentaram-se como um excelente pretexto para se aumentarem os mecanismos repressivos do Estado num momento em que a tensão social aumenta em consequência da austeridade. Com uma opinião pública em estado de choque é facilmente aprovada qualquer lei que reduza a liberdade em prol de mais segurança, como vimos com a aprovação do Patriot Act norte-americano, lei que viola exaustivamente os direitos civis dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros, após o 11 de Setembro. Os opositores dessas leis são apresentados pelo aparelho ideológico da burguesa como colaboradores do terrorismo. O Patriot Act francês, que vem substituir uma lei de 1991, começou a ser redigido antes dos Atentados de Paris, mas as suas normas repressivas acentuaram-se após os atentados terroristas. Se a lei de 1991 estava desatualizada e não respondia aos desafios que o terrorismo jihadista representa atualmente, como a vigilância dos sites jihadistas, o Patriot Act francês apresenta-se como uma escalada para o extremo. Com esta lei os serviços secretos franceses poderão “implantar escutas em habitações, tirar fotografias ou intercetar conversas telefónicas no âmbito de uma investigação a um suspeito sem que seja necessário pedir autorização a um juiz”1. Para supervisionar as ações de vigilância dos serviços secretos será criado um painel independente que analisará os pedidos. No entanto, as suas decisões não serão vinculativas, cabendo a decisão final ao primeiro-ministro. E para permitir uma vigilância e repressão alargada, os termos em que os serviços secretos terão motivos para vigiar indivíduos, ou coletivos, serão muito vagos: “prevenção do terrorismo”, “importantes interesses de política externa”, “interesses industriais e científicos” ou “prevenção de ataques contra a forma republicana das instituições”. Nestes termos os serviços secretos estarão aptos a vigiar todos os cidadãos, violando direitos civis fundamentais, como o direito à privacidade. Uma lei apresentada como tendo o objetivo de evitar mais atentados terroristas será na prática a vigilância e repressão de toda e qualquer oposição às políticas de austeridade e ao atual funcionamento das instituições do Estado, principalmente após a entrada em funcionamento da atroz Lei Macron, que diminui os salários, o controlo público, os direitos sindicais, a proteção social, entre outras coisas.

Com o acentuar da luta de classes a burguesia europeia aumentará gradualmente os mecanismos repressivos do Estado, tentando eliminar qualquer oposição à imposição da austeridade, da destruição do Estado Social e da desvalorização do trabalho aos povos europeus. Com o intensificar da repressão o regime democrático-liberal em que vivemos perderá cada vez mais a sua máscara, não restando alternativa aos trabalhadores, estudantes, reformados e pensionistas senão lutarem pelos seus direitos, que nesta deriva serão cada vez menores.

A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes” – Karl Marx


Sobre o/a autor(a)

Mestrando em Ciência Política
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