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Pessoas trans e intersexo: quem nos silencia?

As pessoas trans e intersexo sabem e podem falar por elas próprias.

Foi com esta convicção que aderi, em 2009, ao GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade, um grupo de interesse liderado por pessoas trans e constituído dentro da ILGA Portugal. Durante os cinco anos em que pertenci ao GRIT (quatro enquanto coordenadora) tive oportunidade, em conjunto com várias pessoas trans, de todas as idades e com diferentes experiências de vida, de aconselhar a intervenção política da ILGA Portugal no que respeita às questões de identidade de género – num período que abarcou processos tão importantes como a criação da Lei de Identidade de Género. O meu contributo junto da ILGA Portugal, de quem sou a associada n.º 1144, culminou ao cumprir um mandato (2011-2014) enquanto dirigente desta IPSS. Fui a primeira pessoa trans a ser membro da direção da organização LGBT mais antiga de Portugal.

Embora conheça, de forma privilegiada, as dificuldades em envolver as pessoas trans no ativismo, é com pesar que observo que na atual direção da ILGA Portugal, embora possua mais membros que a anterior, não exista nenhuma pessoa assumidamente trans. Mas a verdade é que a prática das organizações LGBT em Portugal continua incipiente no que toca à participação das pessoas trans. A rede ex aequo, organização de jovens LGBT, possui um dirigente trans e tem vindo a organizar anualmente um Encontro Nacional de Jovens Trans. No entanto, não consegue assumir politicamente uma voz audível para as pessoas trans (que permanecem, por exemplo, sub-representadas nas suas campanhas). A AMPLOS, organização de mães e pais de LGBT, tem a mãe de um jovem trans nos seus órgãos sociais, e tem-se esforçado por defender os direitos das pessoas trans (tendo inclusive pedido uma audiência no parlamento sobre este tema no ano passado). No entanto, as pontes entre esta organização e as próprias pessoas trans permanecem frágeis.

As próprias pessoas trans têm mostrado espírito de iniciativa nos últimos anos. Exemplo disso são grupos informais como a Lóbula (que abrange também perspetivas queer) ou o GTP – Grupo Transexual Portugal; assim como vários grupos no Facebook, alguns bastante participados e a partir dos quais se organizam pequenos convívios. Há também iniciativas de aliados fora do espectro LGB, como a Jano, associação de profissionais de várias áreas que desenvolvem trabalho junto de pessoas trans. No entanto, tudo soa ainda a pouco. Ainda são raras as pessoas trans visíveis que possuam formação superior, ou desempenhem cargos políticos. Eu própria, ao ser eleita membro da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda no final do ano passado, tornei-me a primeira dirigente assumidamente trans de um partido político em Portugal.

As pessoas intersexo também querem ter voz própria em Portugal. Foi por isso que no final do ano passado me uni a um ativista intersexo e juntos reunimos com várias pessoas para discutir o estado do movimento trans em Portugal e a necessidade de iniciar um movimento intersexo protagonizado pelos próprios. Foi assim que nasceu a Ação Pela Identidade – API, a única organização não-governamental trans e intersexo atualmente existente em Portugal. Trabalhamos na defesa e no estudo da nossa própria diversidade de género e características sexuais. Estamos no início, mas já não há ninguém que nos silencie mais.

Artigo publicado em Maria Capaz a 4 de maio de 2015

Sobre o/a autor(a)

Ativista feminista, dirigente do Bloco de Esquerda, co-diretora da ONG Ação Pela Identidade - API
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