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Cinco livros essenciais para entender a obra de Eduardo Galeano

De "As Veias Abertas da América Latina", obra histórica visceral, o escritor uruguaio passou ao relato poético e breve, mas não menos essencial. Por Vanessa Martina Silva, Opera Mundi.
Eduardo Galeano: “O mundo está feito de histórias". Foto de Donostia Kultura
Eduardo Galeano: “O mundo está feito de histórias". Foto de Donostia Kultura

“O mundo está feito de histórias. São as histórias que contamos, escutamos, multiplicamos, que permitem converter o passado em presente e o distante em próximo, o que está longe em algo próximo, possível e visível”. (Eduardo Galeano, 1940 - 2015).

Do microcosmo, Eduardo Galeano, que morreu na semana passada (13/4), pretendia alcançar toda a humanidade. Com os pequenos fatos quotidianos, recriar a história oficial, contada para que os pequenos, os pobres, as mulheres, os negros, os indígenas não tivessem voz. Trabalhou toda a vida para inverter a perversa ordem.

De "As Veias Abertas da América Latina", obra histórica visceral, símbolo da esquerda latino-americana, Galeano passou ao relato poético e breve, mas não menos essencial. Classificar as suas obras nas categorias existentes é uma difícil e às vezes impossível missão, já que mistura poesia, história, análise, relatos.

1. As Veias Abertas da América Latina (1971)

Publicado pela primeira vez em 1971, a obra marcou a esquerda latino-americana.

Edição em português do Brasil da editora L&PM

“Negamo-nos a escutar as vozes que nos advertem: os sonhos do mercado mundial são os pesadelos dos países que se submetem aos seus caprichos. Continuamos a aplaudir o sequestro de bens naturais com que Deus, ou o Diabo, nos distinguiu, e assim trabalhamos para a nossa perdição e contribuímos para o extermínio da escassa natureza que nos resta”. O trecho consta no prefácio de Galeano à edição do livro “As Veias Abertas da América Latina”.

Publicado pela primeira vez em 1971, o autor passou a vida lamentando a atualidade da obra que pela transcendência, marcou a esquerda latino-americana e chegou a ser proibida na Argentina, Chile, Brasil e no Uruguai, durante as ditaduras militares nesses países.

Do período colonial até a contemporaneidade, passando pelas ditaduras do subcontinente, a obra questiona: “o subdesenvolvimento é uma etapa no caminho do desenvolvimento ou é consequência do desenvolvimento alheio?” e analisa a exploração económica e a dominação política na América Latina.

A obra ganhou ainda mais notoriedade quando em 2009, o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez o deu de presente ao mandatário norte-americano, Barack Obama, durante a 5ª Cúpula das Américas. Mas Galeano considerou, no final da vida, a obra ultrapassada. Em declarações a jornalistas durante a 2ª Bienal do Livro de Brasília no ano passado, o autor afirmou: "Não seria capaz de lê-lo de novo. Cairia desmaiado. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. O meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro".

Edição em PDF, disponível aqui para download, uma edição disponibilizada pela teleSUR.

2. Memória do fogo (1982-1986)

Propõe-se ser uma revisão da história da região, desde o descobrimento até os nossos dias, para enfrentar a “usurpação da memória” da história oficial.

Publicado em forma de trilogia, o livro, premiado pelo Ministério da Cultura do Uruguai e com o American Book Award, distinção fornecida pela Universidade de Washington, combina elementos de poesia, história e conto. É composto pelos livros "Os Nascimentos" (1982), "As Caras e as Máscaras" (1984) e "O Século do Vento" (1986) (Edição em português do Brasil pela L&PM, 2010, 1584 páginas).

Os livros trazem poemas, transcrição de documentos, descrição dos factos e interpretação de movimentos sociais e culturais, que compõem uma cronologia de acontecimentos, proporcionando uma visão de conjunto sobre a identidade latino-americana.

Como em "As Veias Abertas", o livro propõe-se ser uma revisão da história da região, desde o descobrimento até os nossos dias, para enfrentar a “usurpação da memória” da história oficial. Com textos independentes que se encaixam e se articulam entre si, a obra traz um quadro completo dos últimos 500 anos. Apesar de manter a cronologia das histórias, o autor ignora a geografia para dar, assim, uma melhor ideia da unidade da história americana, para além das fronteiras fixadas “em função de interesses alheios às realidades nacionais”, como definiu.

Os dois primeiros volumes de “Memória do Fogo”, “Los nacimientos” e “Las caras y las máscaras” estão disponíveis para download em PDF, edição em castelhano disponibilizada pela teleSUR (clique sobre os títulos).

3. Dias e Noites de Amor e Guerra (1975)

Uma crónica romanceada das ditaduras da Argentina e do Uruguai

Vencedor do Prémio Casa das Américas de 1978, "Dias e Noites de Amor e de Guerra" (Publicado em português do Brasil pela L&PM, 2001, 200 páginas) é uma crónica romanceada das ditaduras da Argentina e do Uruguai, um relato autobiográfico, uma memória íntima, convertida em memória coletiva.

Junto ao horror dos amigos que desapareceram, Galeano traz o amor, os amigos, os filhos, a paisagem, tudo aquilo que ainda na escuridão de uma guerra suja e desapiedada contra os mais fracos continua a ser motivo para viver, para defender as ideias e para levantar a voz contra os que atuavam impunemente para implantar o medo e a conseguinte paralisação.

“Às vezes, sinto que a alegria é um delito de alta traição, que sou culpado do privilégio de continuar vivo e livre. Então me faz bem lembrar o que disse o cacique Huillca, no Peru, falando diante das ruínas: ‘aqui chegaram. Quebraram até as pedras. Queriam nos fazer desaparecer. Mas não conseguiram, porque estamos vivos’. E penso que Huilca tinha razão. Estar vivos: uma pequena vitória. Estar vivos, ou seja: capazes de alegria, apesar dos adeuses e os crimes”, como consta na contracapa do livro.

Edição em PDF, disponível aqui para download, uma edição disponibilizada pela teleSUR.

4. Os filhos dos dias (2012)

O livro é baseado numa versão do Génesis que Galeano escutou numa comunidade maia da Guatemala.

"Os Filhos dos Dias" (edição em português do Brasil da L&PM, 2012) inspira-se na sabedoria maia e traz 366 relatos que compõem a história, desde a Antiguidade até o presente. É baseado numa versão do Génesis que Galeano escutou numa comunidade maia da Guatemala. “Se somos filhos dos dias, nada há de estranho que cada dia tenha uma história para oferecer”. Assim, o livro, escrito em forma de calendário, traz episódios que ocorreram no México de 1585, no Brasil de 1808, na Alemanha de 1933 e noutras épocas e países.

A obra, que não pode ser definida em nenhum género por ser, ao mesmo tempo, todos (jornalismo, literatura, música e poesia), foi trabalhada ao longo de quatro anos. Teve 11 versões antes de ser publicada. “Sou um perfeccionista insuportável”, reconheceu Galeano. “É um livro que dói, mas também faz rir”, disse.

A mulher, o poder, os maias, as culturas originárias, o homem, a legalização das drogas são temas presentes. Com um olho no microscópio e outro no telescópio, Galeano forma um mosaico que permite contemplar o micromundo, de onde acredita que sai a grandeza do universo. “O prazer de encontrar essas histórias é descobrir o que não foi contado, ou que foi mentido pelas vozes do poder: essas contra vozes que o poder oculta porque não lhes convém que saibamos”.

Em entrevista ao site mexicano La Jornada, disse: “Vivemos presos numa cultura universal que confunde a grandeza com o grandinho. Creio que a grandeza alenta, escondida, nas coisas pequeninas, as pequenas histórias da vida quotidiana que vão formando o colorido mosaico da história grande. Não é fácil ouvir esses sussurros quando vivemos mal a vida convertida no espetáculo grande e gigantesco”.

5. Mulheres (1997)

Relatos de mulheres célebres e anónimas que, com a sua vivência, deixaram marcas no dia-a-dia das pessoas com as quais conviveram e, por isso, devem ser lembradas.

"Mulheres" (edição em português do Brasil da L&PM, 1998) é uma coletânea de textos publicados nos livros "Vagamundo e outros contos", "Dias e Noites de Amor e de Guerra", "Memória do Fogo" (trilogia), "O Livro dos Abraços" e "As Palavras Andantes".

De forma lírica e poética, o autor traz relatos de mulheres célebres, anónimas que, com a sua vivência, deixaram marcas no dia-a-dia das pessoas com as quais conviveram e, por isso, devem ser lembradas.

O livro traz histórias de Charlotte Perkins Gilman (1860-1935), escritora norte-americana, cuja produção literária tem o foco nas relações entre mulher e homem e a opressão da sociedade em que viveu; da escrava Jacinta de Siqueira, “africana do Brasil, fundadora da Vila do Príncipe e das minas de ouro dos barrancos de Quatro Vinténs”; de Xica da Silva, escrava que virou rainha no século XVIII; da revolucionária Manuela Saénz, que junto a Simón Bolívar, seu amante, lutou pela independência das colónias sul-americanas; da compositora e cantora Violeta Parra, considerada a mais importante folclorista do Chile e ainda de Frida Khalo, Tina Modotti, Evita, Carmem Miranda, Isadora Duncan.

Publicado no Opera Mundi.

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