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Vale a pena estudar?

Embora alguns estudos identifiquem e até contabilizem os benefícios de um curso universitário em Portugal, o aumento do desemprego, em particular do desemprego jovem (35%), atingindo muitos licenciados, facilitou que se instalasse alguma dúvida. É melhor estudar ou emigrar? O custo vale o benefício?

Quando, há uns meses, Merkel determinou que Portugal tem demasiados licenciados, houve algum clamor, entre o protesto e a surpresa. Mas não demasiado clamor, como sempre. E, mais recentemente, reinstalou-se alguma polémica sobre o assunto.

Embora alguns estudos identifiquem e até contabilizem os benefícios de um curso universitário em Portugal (que garantirá rendimentos que triplicam os custos), o aumento do desemprego, em particular do desemprego jovem (35%), atingindo muitos licenciados, facilitou que se instalasse alguma dúvida. É melhor estudar ou emigrar? O custo vale o benefício?

A resposta é muito clara. Se em Portugal os dados demonstram que a melhor estratégia é mesmo estudar, noutros países é igual. No mundo, a percentagem de jovens que estudam na universidade cresceu de 14% para 32% desde 1992 até 2012 e o número de países com mais de 50% de frequência universitária subiu, nos mesmos vinte anos, de 5 para 54. É um resultado notável.

E não vai ficar por aqui. Na China, o número de estudantes do superior subiu de 1 para 7 milhões entre 1998 e 2010, tendo sido contratados mais 900 mil professores. Agora, a China produz mais licenciados do que os EUA e a Índia somados. Noutros “países emergentes” é a mesma coisa. Por isso, o número de estudantes do ensino superior vai continuar a crescer mais depressa, no mundo, do que PIB e, ainda mais importante, continuará a crescer mesmo que o peso da população jovem diminua (veja o gráfico: o número de estudantes no ensino superior cresce mais depressa do que o número de automóveis e do que o PIB). Vai haver mais ensino universitário e ele vai ser sempre uma vantagem. Para o mundo, este cálculo do benefício obtido por se ter um curso universitário é de 15% de acréscimo de rendimento; no caso dos Estados Unidos é o mesmo valor, e no caso de países em desenvolvimento chega aos 20% (veja-se o gráfico abaixo). Mesmo nos EUA e em Inglaterra, onde 14% da força de trabalho tem uma pós-graduação, o prémio de estudo continua a aumentar, apesar da oferta de trabalhadores qualificados. É assim e vai continuar a ser assim.

Por isso, a desqualificação dos contratos de trabalho, que também atinge licenciados e cada vez mais, ainda tem como alvo principal os jovens menos qualificados, que serão grande parte dos quinhentoseuristas. Tornar o ensino mais ligeiro, mais breve e mais caro, a estratégia de Bolonha, é por isso um erro social grave: abre um mercado para a educação privada, desqualifica a educação pública, obriga os estudantes a um cofinanciamento cada vez maior, mas prejudica a sua capacidade de encontrar emprego e reduz os seus salários. Nos Estados Unidos, esse processo tem outra dimensão, porque o ensino superior é essencialmente privado e os estudantes acumulam uma dívida gigantesca (1,2 triliões de dólares, mais do que a dos cartões de crédito ou de compra a prestações de automóveis). O ensino é um mercado e o resultado é dívida.

Finalmente, é errado pensar que a diferenciação dos custos do ensino vai melhorar o rendimento para os estudantes que concluem os cursos. No exemplo das universidades norte-americanas, que é contabilizado no gráfico abaixo, verifica-se que o rendimento dos vinte anos seguintes a concluir um curso é relativamente indiferente à seleção dos estudantes: mesmo que a taxa de admissão seja muito baixa ou muito alta, os rendimentos obtidos são sensivelmente os mesmos (são maiores para quem se forma em engenharias e ciências de computação do que em humanidades, mas também essa diferença não é afetada pela seletividade das escolas).

Por outra palavras, está-se a caminhar no sentido inútil: cursos mais desqualificados e ensino mais caro. Se queremos emprego para os jovens, temos que evoluir no sentido contrário: cursos melhores e mais acessíveis para mais gente.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 14 de abril de 2015

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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