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Não vás
Na semana passada o Governo anunciou com pompa e circunstância um novo programa de apoio ao regresso de emigrantes. Para aliciar a diáspora, o Secretariado de Estado Pedro Lomba prometeu um pacote de medidas nunca antes visto e transbordante de potencial sucesso: incentivos ao empreendorismo, acesso a estágios para desempregados de longa duração e apoios à contratação a custo zero para as empresas.
Pelo ceticismo que estas medidas merecem e por estarmos habituados a ver anunciados por Pedro Lomba alguns dos maiores bluffs já inventados por este Governo, a verdadeira surpresa deste novo programa surge pela súbita preocupação da direita com os emigrantes e com os efeitos da sangria de centenas de milhares de jovens e trabalhadores de todas as idades, muitos deles formados e especializados através do investimento público (de todos).
Por mais que quiséssemos acreditar na boa vontade de um Governo genuinamente preocupado, as suas aparentes boas intenções esbarram não só na realidade das políticas de hoje, mas também na clareza das afirmações do passado. E porque eles nunca se lembram de nada, vale a pena recordar aqui o que disse o mesmo Governo sobre a mesma matéria há tão pouco tempo:
"Se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras”. “O país não pode olhar a emigração apenas com a visão negativista da "fuga de cérebros".
"Nós temos hoje uma geração extraordinariamente bem preparada, na qual Portugal investiu muito. A nossa economia e a situação em que estamos não permitem a esses ativos fantásticos terem em Portugal hoje solução para a sua vida ativa. Procurar e desafiar a ambição é sempre extraordinariamente importante”.
“Nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou querendo-se manter, sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado de língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.
Se nada mais houvesse, e há, que credibilidade teria um Governo que passou os últimos anos a mandar-nos emigrar para agora dizer “VEM”? Aquilo que agora prometem como inovação são apenas medidas gastas e comprovadamente falhadas. Estágios, mão de obra gratuita, incentivos ao empreendorismo que asfixiam numa economia sufocada, precariedade e salários baixos… estas foram precisamente as políticas que levaram a minha geração a emigrar.
O que é que mudou verdadeiramente no país de onde estas pessoas saíram? Nada. Que esperança poderiam ter em regressar a um país de onde ainda tanta gente tem de sair? Nenhuma. E é por isso que este é apenas mais um bluff apresentado por um Secretario de Estado.
O único programa possível para combater a emigração é o NÃO VÁS - porque aqui há ensino gratuito, bolsas de estudo, emprego com direitos, salários com dignidade, futuro. Esse é um programa que não poderia nunca sair da boca de Pedro Lomba nem da cabeça de um Governo que fez da austeridade uma ideologia e da pobreza uma promessa de futuro.
P.S.: E já que estamos neste capítulo, talvez valha a pena pensar, isso sim, em programas de apoio aos imigrantes e refugiados que chegam a Portugal à procura de uma vida melhor.
Artigo escrito na terça-feira, dia 17 de março.
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"Se estamos no desemprego,
"Se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras”. Sempre considerei esta afirmação ofensiva, e explico porquê. Começo por afirmar que apoio incondicionalmente a possibilidade de trabalhar e estudar no estrangeiro assim como todas as possibilidades de mobilidade. Estou-me a contradizer? Não. Estou-me a basear num princípio básico humano: a diferença. Sempre houve, e até mesmo em países ricos, pessoas com vontade de trabalhar em outros países, mudar de vida, seguir outros objectivos. Existem até aquelas pessoas que se identificam mais com outros países e culturas do que aquele onde nasceram. Mas, claro está, também existem aquelas que simplesmente têm no seu país o seu lugar de felicidade. Desejam estar no seu lugar de identificação, com a sua família, o seu núcleo de pessoas amadas, os seus projectos pessoais. Se no primeiro caso, é uma oportunidade e uma realização pessoal emigrar, é o por oposição, neste último caso, uma experiência vivida e sentida como exílio. Todos devem ter liberdade para escolher onde desejam viver e trabalhar. Para muitos é não ver os filhos crescerem, é não participar nos encontros de família, é deixar parte de si mesmos para trás, e por mais que se adaptem ao país de acolhimento, haverá sempre uma lacuna nas suas vidas. É em muitos casos, desenraizar-se de uma parte substancial do seu ser, por obrigação da subsistência. Ao chamarem zona de conforto ao núcleo familiar, pessoal e vivencial, e a denegrirem a diferença entre os seres humanos, é uma forma dos governantes subestimarem e insultarem muitas pessoas só porque estas desejam, muito legitimamente, ficarem na sua casa, com direitos ao trabalho e á dignidade pessoal.
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