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Recusamos que Portugal seja o paraíso dos OGM

Chegou o momento para Portugal dizer não aos OGM. É assim em quase toda a Europa. É assim até nas potências agrícolas da Europa. É essa a vontade de precaução dos povos.

Existe hoje um enorme consenso internacional contra o consumo de organismos geneticamente modificados. Esse consenso alarga-se também à esmagadora maioria dos governos europeus. Foi por este motivo aliás que a União Europeia mudou recentemente as regras do jogo sobre a autorização de OGMs.

Em 2013, a agroquímica Monsanto anunciou que desistia de tentar a aprovação do cultivo de novas variedades OGM na Europa. Tudo porque era já extremamente difícil consegui-lo. Primeiro, e esse era o processo, a Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar teria que dar luz verde e, depois, a decisão seria tomada pelo voto dos representantes dos estados-membros. Acontece que, como disse, a esmagadora maioria dos governos europeus se opõe aos OGM, logo a aprovação da introdução de novas espécies não existia de facto. Desde 2005, a Autoridade tinha dado luz verde a oito variedades, mas nenhuma conseguiu superar a autorização da Comissão Europeia..

Existem apenas dois organismos autorizados pela Comissão para cultivo na UE: o milho MON810 da Monsanto e a batata Amflora da BASF. Acontece que, em 2012, a BASF decidiu deixar de cultivar a batata na Europa, precisamente devido à hostilidade que este tipo de cultivo gera no nosso continente.

Na União Europeia apenas uma minoria de cinco países permitem o cultivo de OGM nos seus territórios: Espanha com 132 mil hectares e Portugal com 8,5 hectares são os principais produtores a que se juntam a República Checa, a Roménia e a Eslováquia

Resumindo, sobra apenas uma única variedade de milho. A oposição dos povos e a rejeição dos Governos impediram o alastramento dos OGMs na Europa. Vários países proibiram mesmo o cultivo de OGM nos seus territórios. Na União Europeia apenas uma minoria de cinco países o permitem. A saber: Espanha com 132 mil hectares e Portugal com 8,5 hectares são os principais produtores a que se juntam a República Checa, a Roménia e a Eslováquia.

É esta a realidade dos OGM na Europa. A vontade dos povos é inequívoca. Por isso mesmo, a União Europeia mudou as normas relativas ao cultivo, abstendo-se de legislar, ela própria, devolvendo aos Estados o poder da tomada de decisão. Atribuíram aos estados-membros a possibilidade de limitar ou proibir o cultivo nos seus territórios. O que, aliás, na prática já se verificava.

O Governo Português não tem agora o condicionamento crítico da maioria dos governos, mas sabe que está isolado na UE. Sabe também que está isolado no seu próprio país. Recusamos que Portugal seja uma ilha na Europa e que seja o paraíso dos OGM.

Foi uma má decisão, entretanto, da União Europeia. A própria UE deveria ter corrigido o modelo europeu de autorizações, devia ter aplicado, ela própria, o princípio da precaução. Da precaução em relação às consequências na saúde pública e na biodiversidade genética. Mas não, as instituições europeias decidiram virar a cara.

Temos enormes preocupações com esta decisão. Partilhamos essa preocupação, aliás, com várias Organizações Não Governamentais da área ambiente. Ou seja, a presente alteração das normas pode levar as empresas do setor a desafiar em tribunal os Estados que decidam democraticamente vetar no seu território estes organismos. É uma preocupação tanto maior, e é uma preocupação iniludível, quando ela pode estar acoplada ao Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP). Sobretudo, quando sabemos que esse projeto de tratado visa a liberalização de garantias ambientais.

Mesmo nos Estados Unidos, que são os maiores produtores de OGMs e onde tradicionalmente a opinião pública era mais favorável a estes produtos, isso está a mudar

A pressão dos povos é crescente. Mesmo nos Estados Unidos, que são os maiores produtores de OGMs e onde tradicionalmente a opinião pública era mais favorável a estes produtos, isso está a mudar. No início do ano passado, uma grande multinacional agroalimentar viu-se obrigada a retirar OGMs dos seus cereais de pequeno-almoço, dos mais consumidos no país. Não resolve o problema, mas vai espelhando o consenso que se alarga na sociedade.

Há, sem dúvida, um problema no planeta com a falta de alimentos, mas os OGMs em nada resolvem este problema. Não se resolve o problema da pobreza concentrando ainda mais a riqueza. O cultivo de OGMs dá um poder desmesurado à indústria agroquímica. Torna os países dependentes das suas sementes e dos seus pesticidas. É um risco para a saúde pública – cuja consequência não está desmentida – e para o ecossistema.

E no ecossistema, entre várias ameaças, uma é o declínio da população mundial de abelhas com os consequentes riscos para a polinização. É necessário mudar de paradigma. Em regra, os OGMs ou segregam pesticidas – como é o caso do milho MON810 – ou têm uma resistência excecional a estes químicos. Isto leva a uma grande concentração destes químicos no ecossistema, seja pela auto-produção seja pelo uso excessivo. Esta resistência aos pesticidas levou a que, nomeadamente nos EUA, exista o regresso à utilização de pesticidas altamente tóxicos como é o caso herbicida 2,4-D. Nada mais, nada menos que um derivado do agente laranja, uma arma química usada na guerra do Vietname.

Não é aceitável que, em resposta ao Bloco de Esquerda, o Ministro Moreira da Silva nos diga que vai manter a autorização do milho transgénico em Portugal. Segundo o Ministro do Ambiente, o princípio da precaução está garantido porque esse OGM respeitaria esse princípio. É lamentável que o governo mantenha essa posição minoritária, hoje uma opinião em decadência na Europa

Chegou o momento para Portugal dizer não aos OGM. É assim em quase toda a Europa. É assim até nas potências agrícolas da Europa. É essa a vontade de precaução dos povos. E, por esse motivo, apresentamos à Assembleia da República – e outros o farão – uma proposta para proibir o cultivo, a importação e a comercialização de organismos geneticamente modificados, excetuamos o cultivo controlado para fins de investigação científica.

O Governo Português tem estado do lado errado no que toca à segurança alimentar. Há dois anos votou na UE contra a proibição de três pesticidas responsáveis pela redução da população de abelhas. A proibição foi aprovada por larga maioria. Agora, o governo insiste em proteger os interesses das multinacionais agroquímicas, embora praticamente isolado na UE ao autorizar o cultivo de OGMs.

O nosso caminho nesta matéria tem sido bastante claro. Aprovar o princípio da precaução em geral para os OGMs. Já o fizemos no ano 2000, e nisso fomos pioneiros. Aprovamos também, ao longo dos anos, o princípio da precaução especificamente em relação a algumas variedades de OGMs.

Não é aceitável que, em resposta ao Bloco de Esquerda, o Ministro Moreira da Silva nos diga que vai manter a autorização do milho transgénico em Portugal. Diz ainda o ministro que está cientificamente comprovado que esse OGM não tem qualquer consequência para a saúde pública, nem para o ecossistema. Segundo o Ministro do Ambiente, o princípio da precaução está garantido porque esse OGM respeitaria esse princípio. É lamentável que o governo mantenha essa posição minoritária, hoje uma opinião em decadência na Europa.

Deixamos aqui o alerta, porque infelizmente, não só o governo PSD-CDS/PP se prepara para manter a autorização para esse OGM, como eventualmente, agora livre dos condicionamentos da UE, pode até vir a autorizar outras variedades geneticamente modificadas.

Declaração política na Assembleia da República em 25 de fevereiro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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