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Sem um pingo de vergonha

Com um ar inocente de quem não parte um prato, sorriso aberto, deferente e reverente, a ministra, sentadinha ao lado de Schäuble, protagonizou mais uma cena macaca e vexatória para o Portugal amarfanhado do tempo que corre. Tempo penoso.

Pode ser-se obsceno sem falar de sexo. Pode ser-se ordinário e ter boas maneiras.

Pode ser-se imoral e ser ministro. Ou ministra.

Pode ser-se presidente e ser ignorante.

Pode, pois. Sabemos bem disso. Muito bem.

Desde o dia 25 de janeiro que somos envolvidos por uma permanente propaganda anti grega.

Já não é aquela propaganda primária que o fascismo utilizava com slogans que se colavam aos ouvidos. Angola é nossa.

Esta propaganda contra a Grécia vem directamente do coração dos comentaristas, da ironia bacoca dos que fazem as reportagens, das observações de escárnio dos governantes, do ar paternalista com que se fala de Tsipras ou Varoufakis. São discursos molhados de baba raivosa, a descambar grosseiramente para a injúria e a calúnia, atulhados de má-fé.

Esta gente apanhou um susto com a vitória do Syriza.

Da Grécia, enquanto berço da democracia, não sabem nada. Julgam, aliás, que o berço foi comprado na Moviflor que agora está insolvente.

Nem me espantaria que Cavaco, com o seu tom professoral, viesse dizer, eu bem avisei os gregos de que deveriam ter comprado o berço no Ikea.

Não sabem nada. Não lhe conhecem a História. Só lhe conhecem o orçamento. Ou os clubes de férias nas ilhas. Ou os iogurtes.

Toda a governação neoliberal e europeia provou, mais uma vez, que não respeita nada nem ninguém. As eleições só são legítimas quando elegem comparsas, companheiros de contabilidades, devotos das agências devidamente paramentados de folhas de Excel.

Se o resultado não for meigo nem amigo, não prestam.

Por isso Schäuble fica mais sinistro que nunca. Com a arrogância de um Chanceler na sombra, grita, macaqueia e ferve facilmente. Irrita-se, descortês, como se alguém lhe tivesse entrado dentro de uma casa de que tinha a posse pública e pacífica e lhe mostrasse o registo de propriedade.

Foi isso que a Grécia, o país que nos legou o conceito de democracia, que conheceu ditaduras terríveis e resistências heróicas, acabou de fazer.

A Grécia.

A mesma Grécia que na antiguidade clássica conheceu o século de Péricles.

Não, Aníbal, não é o século dos picles. Por isso não vás dizer ao Schäuble que bem o tinhas avisado que os gregos são ácidos.

Seria outro vexame. Contudo, bem menor do que aquele que a ministra sonsa nos fez passar

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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