O pecado de Juncker e o servilismo dos cães de fila

porJoão Mineiro

22 de February 2015 - 0:24
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A elite de radicais que dirige Portugal só nos pode fazer sentir vergonha alheia. Portaram-se estes dias como autênticos cães de fila bem treinados.

Estas últimas semanas confirmam que não estaremos longe da realidade se dissermos que os últimos sete anos ficarão profundamente inscritos na história social e política da Europa. A forma como a crise financeira foi habilmente transformada pela elite europeia numa crise das dívidas soberanas, fez com que se operasse uma profunda mudança na relação de forças à escala europeia, que se traduziu num ataque sem precedentes a todos os direitos sociais, económicos, culturais e políticos conquistados principalmente no século XX. Estes sete anos representaram essa mudança de paradigma, em que austeridade se consubstanciou enquanto filosofia integradora da maior regressão civilizacional de que muitos e muitas teremos memória.

O processo de regressão civilizacional em curso teve consequências sociais brutais, a loucura europeia destes anos teve também consequências políticas arrasadoras. E assistimos agora a uma recomposição na esquerda com um conjunto de partidos com um programa anti-austeritário e de desobediência às instituições europeias que conseguem ser maioritários nos seus países

Mas se este processo de regressão civilizacional em curso teve consequências sociais brutais, a loucura europeia destes anos teve também consequências políticas arrasadoras. Os chamados partidos socialistas protagonizaram uma impressionante viragem à direita sendo protagonistas, aliados ou submissos de todas as políticas de austeridade destes anos. Voltámos a ter que lidar com a brutal ameaça das organizações fascistas e de extrema-direita. E assistimos agora a uma recomposição na esquerda com um conjunto de partidos com um programa anti-austeritário e de desobediência às instituições europeias que conseguem ser maioritários nos seus países.

Era impossível que os burocratas europeus assistissem sem reação a este furacão político. Depois do governo do Syriza na Grécia ter colocado pela primeira vez a hipótese de uma alternativa política de esquerda vencer na Europa e depois do governo alemão ter assumido que é ele quem dirige a política europeia, Jean-Claude Juncker veio num tom surpreendente afirmar que “pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente da Grécia, em Portugal e na Irlanda” referindo inclusive que “falta legitimidade democrática à troika”. De facto, só podemos valorizar a autocrítica de Juncker : “Eu era presidente do Eurogrupo e pareço estúpido em dizer isto, mas há que tirar lições da história e não repetir erros”.

Quais serão estas lições e qual a sua tradução política imediata? Vai a Comissão Europeia tomar todas as diligências para que o governo grego possa cumprir o programa político que foi democraticamente sufragado? Vai a Comissão Europeia enfrentar a absurda posição alemã que consiste em dizer que as eleições não contam para nada porque a Grécia só pode implementar mais políticas de austeridade? Tenho dúvidas. Mas se a autocrítica tardia de Juncker nos deve impressionar, o que foi mesmo arrebatador foi a reação das autoridades portuguesas a esta declaração e ao estado de negociação entre a Grécia e a Europa.

Cavaco Silva enfureceu-se e à saída de uma feira rural onde não devia haver bolo-rei para todos, decidiu dar declarações para dizer que os contribuintes portugueses já pagaram o suficiente da irresponsabilidade do povo grego. Felizmente falta pouco tempo para este senhor voltar para a sua marquise

Luís Marques Guedes irritou-se e foi direito ao assunto: “Acho, manifestamente, que é uma declaração bastante infeliz do presidente da Comissão Europeia, porque nunca a dignidade de Portugal ou dos portugueses foi beliscada pela troika ou qualquer das suas instituições”. Nunca, jamais, em tempo algum. A profunda crise social que Portugal vive nem sequer beliscou a dignidade de quem vive e trabalha em Portugal.

Maria Luís Albuquerque mostrou-se imensamente indignada pelo facto dos jornalistas só lhe fazerem perguntas pela Grécia e não quererem saber nada sobre o seu milagre da multiplicação. Isto é, num dia ter dito que não há dinheiro para investimento e criação de emprego e no dia seguinte ter encontrado 14 mil milhões de euros no fundo do pote para pagar ao FMI em antecipado.

Cavaco Silva enfureceu-se e à saída de uma feira rural onde não devia haver bolo-rei para todos, decidiu dar declarações para dizer que os contribuintes portugueses já pagaram o suficiente da irresponsabilidade do povo grego. Felizmente falta pouco tempo para este senhor voltar para a sua marquise.

Paulo Portas, no seu estilo de chico esperto, alternou entre o argumento de que “foi a dignidade dos portugueses, o esforço e o sacrifício” que permitiu a recuperação do país (?!) e ao mesmo tempo lembrou que classificou muitas vezes a situação de Portugal como a de um protetorado.

Passos Coelho, depois de ter mandado Maria Luís Albuquerque fazer serventia a Schäuble, afirmou esta sexta-feira no parlamento de que não apoiará nenhuma proposta que beneficie o povo grego e o povo europeu porque “não foi eleito para defender os interesses do Syriza”.

Esta elite de radicais que dirige Portugal só nos pode fazer sentir vergonha alheia. Portaram-se estes dias como autênticos cães de fila bem treinados. Só que daqueles que levam porrada dos donos a toda a hora e, ainda assim, voltam sempre para o seu colo com um sorriso nos beiços.

O seu tempo será curto. Tic-tac. Tic-tac.

João Mineiro
Sobre o/a autor(a)

João Mineiro

Sociólogo e investigador
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