Cláudia Elias

Cláudia Elias

Trabalhadora da administração local

Estava longe, muito longe, de imaginar que aquele momento iria alterar a minha forma de olhar e viver a minha condição de mulher.

Pela Europa de hoje renascem e aumentam as políticas do medo e os governos autoritários.

Nasceu numa noite chuvosa de fevereiro, quando o frio faz doer os ossos e gela o pensamento.

Acordou sobressaltada. Olhou e não reconheceu o quarto.

Desde pequena que se questiona sobre o destino das palavras quando não se diz o que se sente. Durante muito tempo habituou-se a ignorá-las. Engolia-as sem as mastigar, sem conseguir mesmo, por vezes, entender o que lhe queriam transmitir.

Posso chorar que ninguém nota. Posso rir-me que ninguém ri comigo. Posso gritar que ninguém se incomoda. Há anos que estou aqui na mesma janela, todos os dias, às mesmas horas. Há anos que o mundo corre à minha volta sem conseguir que ele me toque.

Disseste que não aguentavas mais e foste embora. Sei perfeitamente o que te fez partir e confesso que também já estava exausta. Jamais irás aceitar ou mesmo entender a minha maneira de amar. A minha maneira de te amar.

Passava horas com o olhar fixo no relógio que estava ao fundo do corredor. Durante algum tempo acalentou a esperança que voltasse a trabalhar, mas desistiu.

A revolução fez-se nas ruas e é nelas que tenho de vivê-la até ao fim. A liberdade não se cumpriu para todos.

25 de abril de 2014. Cravo ao peito, pressa no andar, mas apenas uma tímida sombra de esperança de que algo poderia mudar, que alguma vez o povo voltaria a unir-se para se reclamar e se conquistar.