Para que servem as instituições culturais em épocas de crise?

21 de February 2015 - 12:20

Na esfera pública cultural uma das mais relevantes funções sociais das instituições, especialmente por via das práticas artísticas, é a capacidade de criticar e propor alternativas ao status quo vigente, o qual se expressa na cristalização das hierarquias, dos privilégios e das desigualdades. Por Rui Matoso

porRui Matoso

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Data e autor desconhecidos

Todos sofremos agora mais do que em qualquer outro momento

pela falta total de agentes, de instituições coletivas capazes de atuar efetivamente.

Zygmunt Bauman1

Ao longo da história da humanidade, a formação da cidade enquanto território político de uma comunidade (polis) ou das mais diversas instituições (políticas, sociais, culturais, cívicas, etc), surge como resultado da interação entre pessoas e a envolvente contextual com o propósito de organizar a vida coletiva em torno de princípios, valores e bens comuns (paz, saúde, liberdade, segurança, igualdade, educação, cultura,...) orientadas para promover a “vida boa” (bios) na sua pluralidade de situações, e assim salvaguardar o futuro.

Sem um nível adequado de interação social e simbólica que permita gerar laços de pertença cultural, estimular novos vínculos sociais e simultaneamente produzir a capacidade para partilhar novas ideias e novos mundos, uma instituição não cumpre o seu desígnio de nutrir e sustentar as relações sociais. Neste sentido, uma instituição pode também ser vista como uma tecnologia social que possibilita a durabilidade e sustentabilidade de uma determinada sociedade.

Uma instituição é assim um coletivo de elementos em interação permanente – com maior ou menor inércia-, composto por atores humanos e não-humanos (máquinas), os quais em conjunto favorecem o desenvolvimento de estratégias de ação. No caso das redes telemáticas, veja-se, por exemplo, o papel das tecnologias de mediação, nomeadamente nas “redes sociais” (facebook, twitter,etc.) e o potencial que comportam para criar ligações online e offline.

Na esfera pública cultural uma das mais relevantes funções sociais das instituições, especialmente por via das práticas artísticas, é a capacidade de criticar e propor alternativas ao status quo vigente, o qual se expressa na cristalização das hierarquias, dos privilégios e das desigualdades. É por esse motivo que uma sociedade democrática não pede instituições paternalistas com modelos pré-concebidos, inculcados e administrados de cima para baixo, designadamente em épocas de crises múltiplas. As instituições devem antes conjugar as vontades coletivas e representar a sociedade civil (ou parte dela) face aos poderes políticos previamente instituídos no âmbito das constituições políticas republicanas, contribuindo desse modo para o desenvolvimento das sociabilidades, das solidariedades e para a intensificação da democracia.

As instituições devem (re)conhecer e agir mediante os problemas concretos que afetam as sociedades em cada época, funcionando como um dispositivo coletivo de resolução/mitigação desses mesmos problemas. Os públicos das instituições seriam então mobilizados pelo pragmatismo e por uma ética que não é fundada na noção de obrigação mas na noção de valor, porque para lidar com os problemas as pessoas teriam de ajustar o seu comportamento (atitudes, motivações, estratégias, etc.) em relação à situação concreta.

Ao mesmo tempo que sustentam a coesão e o equilíbrio necessário à construção social do mundo, as instituições (em geral) deveriam ser catalisadores do debate plural de ideias e projetos distintos - acolhendo o agonismo inerente às dissensões- de forma regular e sistemática, pois a isso obriga a diversidade sociocultural. Neste aspeto é fulcral que as instituições articulem estratégias de resistência contra fenómenos extremos, em especial contra toda e qualquer configuração do fascismo, seja político, social, financeiro ou de outro género. Desse modo, abrem espaço à inovação social e ao questionamento radical, não ficando exclusivamente ao serviço de esquemas reprodutores do condicionamento social e de comportamentos miméticos.

Artigo de Rui Matoso para esquerda.net. Este artigo é a primeira parte de um conjunto de três artigos.


 

Rui Matoso
Sobre o/a autor(a)

Rui Matoso

Investigador e docente universitário