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Mãos limpas

A corrupção é um flagelo que mina a confiança na democracia, nos políticos e no próprio Estado de direito constitucional. É com base nisso que a voz popular diz que os políticos e os partidos são todos iguais, o que é profundamente falso.

Para o Bloco de Esquerda, esta preocupação vem de longe. Aprovou o agravamento de penas e a criação do crime urbanístico. E teve como ponto central a criminalização do enriquecimento ilícito. A proposta foi apresentada em 2009, 2010 e 2011 e em 2012, um texto conjunto com outros partidos (do qual o PS se excluiu) chegou a lei. Mas não viu a luz do dia: o Tribunal Constitucional (TC) considerou que devia ser reformulada.

Aprendendo com essa decisão, a iniciativa legislativa para criminalizar o enriquecimento não declarado é o capítulo seguinte na vontade de combate à corrupção.

A proposta não podia ser mais clara: pegar nas obrigações declarativas do património de políticos e altos quadros do Estado hoje já existentes e dar um salto quântico na exigência da transparência.

Propomos criar uma nova entidade, específica para o efeito, e alargar a lista de quem tem a obrigação de declarar o seu património. Desde membros do governo a consultores ou peritos do Estado, ou deputados e membros de gabinetes ministeriais. Quem decide no país tem de declarar o seu património. E, como quem não deve não teme, essas declarações devem ser publicadas na internet.

Assim, respondemos às preocupações do TC: o bem jurídico a proteger é o dever de transparência dos agentes públicos. Se há património não declarado, é crime. E um novo tipo de crime, um crime autónomo nunca antes sugerido; não existe inversão do ónus da prova porque a obrigação criada é a da declaração do património. Se há um enriquecimento desproporcionado, então é comunicado ao Ministério Público. Tudo centrado numa entidade especializada, com recursos para a sua tarefa, coadjuvante do TC, que pode decidir a perda de mandato ou a demissão do agente público (pode atingir até um primeiro-ministro em funções).

Simples? Sim. Exigente? Muito.

Apresentamos ainda um projeto complementar que ataca, pela via fiscal, o enriquecimento injustificado taxando em 100% a riqueza acumulada abusivamente. Não confundamos com o enriquecimento não declarado: esta via não substitui nem anula o combate à corrupção no Estado. E esperamos que tenha hoje melhor acolhimento do que nas vezes em que foi rejeitado por PS, PSD e CDS.

Aliás, quando alguns deputados do PS falam de proximidade de propostas do Bloco de Esquerda parecem não conhecer nem o percurso do PS nem as propostas do Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda avança onde não se tinha avançado com a criação de uma entidade específica para a fiscalização das declarações dos agentes públicos, a criação de um crime autónomo de não declaração de património ou a demissão de agente público por este crime.

Fazemos estas propostas com abertura, mas com a urgência de quem sabe que não pode deixar tudo como está. O abuso contra o Estado é um abuso sobre cada um dos seus cidadãos. Cada euro que a corrupção custa às contas públicas é um euro cortado ao Estado social. É preciso um combate enérgico à corrupção, que não pode ter menos do que o estatuto de prioridade nacional. Por isso, propusemos também que o Parlamento debata de forma séria e profunda o combate à corrupção. Temos de vencer esta luta!

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” em 5 de fevereiro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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