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Agora é que se vai ver o que quer a Europa
O braço de ferro entre as instituições europeias, ou seja, o governo alemão, e o governo grego está a ter desenvolvimentos rápidos: o anúncio de Varoufakis de que a Grécia aceita uma reestruturação sem haircut é uma concessão enorme e até arriscada, tendo em conta o carácter obviamente insustentável da dívida atual. O governo grego está a tentar afastar bloqueios políticos a um corte explícito na dívida, substituindo-o por um corte implícito, de menores dimensões, mas com impacto comparável no serviço da dívida. Em resumo, trata-se de ganhar tempo.
Em contrapartida, o governo grego propõe-se transpor o esforço do ajustamento dos cortes na despesa para o aumento da receita fiscal. Em resumo, trata-se de inverter a política de austeridade e fazer o ajustamento pela receita, através do crescimento e do combate á evasão fiscal. O risco da opção do governo grego reside na dúvida sobre se um alívio da ordem dos 3%/3,5% do PIB é suficiente para implementar uma política de relançamento.
Do outro lado da mesa de negociações, a "concessão" de Juncker em relação ao fim da troika é uma mão cheia de nada. Há mais de um ano que foi apresentado no Parlamento Europeu (e entretanto aprovado por esmagadora maioria) um relatório que derrete a Troika, considerando-a uma solução sem legitimidade institucional e democrática. Prometer acabar com a dita é como ameaçar um cadáver.
A nova proposta do Syriza, sendo arriscada, tem o mérito de ser indiscutivelmente razoável. Os apoios à postura negocial do Syriza vão-se multiplicando e o isolamento político arrisca-se a mudar de lado. Isso não quer dizer que a senhora Merkel se impressione, mas esta nova fase destas negociações vai mostrar o que é que é realmente importante para as instituições europeias. Se a União Europeia insistir que a dívida é para pagar, ponto, isso significaria que a Grécia teria de avançar para uma posição de força, que poderia terminar com a sua expulsão do Euro. Ou então ceder em toda a linha, o que seria o fim do governo Syriza.
Um outro cenário é a UE aceitar as condições do governo grego mas impor a habitual "condicionalidade" política, normalmente resumida como "política orçamental saudável" e "reformas estruturais promotoras do crescimento". São expressões bastante ambíguas mas, no jargão europês, toda a gente sabe o que isto quer dizer: cortes na despesa, privatizações, precarização do mercado de trabalho, etc. O problema é que a UE já percebeu que, com este governo, não pode contar com sub-entendidos. Para haver condicionalidade efetiva, terá de haver um memorando clarinho como a água, com as medidas todas discriminadas e prazos férreos.
Penso que será aqui que vai bater o ponto. Se o governo grego aceitar a política de austeridade, terá o seu alívio orçamental, que será completamente inútil. Por outro lado, as instituições europeias sabem que se for permitido a um Estado-membro conduzir uma política em tudo oposta às recomendações de Bruxelas, vai haver milhões de europeus a perceber que há mesmo alternativas. E pior: correm melhor do que o que há. Ou, pelo menos, menos mal. E isso é mau, mau, mau.
O resultado deste confronto será decisivo para a Europa. E para este cantinho da Europa à beira-mar plantado. Que os comentadores de direita critiquem o radicalismo do Syriza às 3ªs, 5ªs e Sábados, e as cedências do Syriza às 2ªs, 4ªs e 6ªs, é compreensível. A descredibilização deste governo é um combate de vida ou morte para a agenda da direita.
O meu maior espanto vai, pelo contrário, para os vastíssimos sectores da esquerda portuguesa que, perante o que ali se passa, se transformam em analistas políticos e espectadores. É um sintoma de provincianismo. Porque a luta dos gregos não é apenas uma luta justa noutro qualquer lugar do mundo. É a nossa luta. A mesmíssima. A nossa própria. Se eles perderem, e podem bem perder, também perdemos nós. Quem não percebe isto, não percebe nada.
Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas
Comments
Caro José Gusmão,
Caro José Gusmão,
Vou fazer alguns comentários e no fim colocar algumas questões que gostaria que respondesse.
Começa por admitir que o governo do Syriza faz "uma concessão enorme e até arriscada" ao reconhecer e dispor-se a pagar a totalidade da divida (talvez com a excepção da pequena parte que ficaria como divida perpétua). Ao mesmo tempo qualifica esta concessão como razoável o que, quanto a mim, choca um pouco com a "enormidade" e o "risco" da mesma.
Por outro lado o José Gusmão escrevia em 26 de Janeiro:
"Sem uma restruturação da dívida que imponha perdas substanciais aos credores, incluindo os credores institucionais que detêm, de longe, a maior fatia da dívida grega, qualquer discurso sobre o fim da austeridade é conversa."
Agora admite como "razoável" o que há 12 dias qualificava como "conversa".
José Gusmão congratula-se aqui os apoios políticos à postura negocial do Siryza que se têm multiplicado, refere-se a quem? Aos governos e instituições europeias visitados durante a semana?
Se sim, creio que, em primeiro lugar, se ilude e, em segundo lugar, creio que, se esse apoio existisse, diria realmente muito (mas, negativamente) sobre o plano do Syriza. Aliás o próprio José Gusmão avisava em 26 de Janeiro:
"Defender a restruturação dívida não é achar que era uma óptima ideia se toda a gente se pusesse de acordo sobre o assunto: Merkel, Tsipras, Juncker, Draghi, etc."
Mas, Varoufakis comenta:
"A minha mensagem para os nossos amigos alemães e para todos os europeus é que não vamos forçar ninguém a aceitar um acordo, pois não estamos numa posição de confrontação."
e logo a seguir:
"Estamos perante uma situação em que governos europeus distintos têm um objetivo comum, o de chegar a um acordo que beneficie toda a gente e que minimize os custos da crise para todos os Europeus"
O governo do Syriza tem pois, infelizmente, dado sinais claros de recuo e de procura de um acordo com todos aqueles que José Gusmão cita.
O problema é que, mesmo mostrando tanta (razoabilidade?) vontade de compromisso, se o Syriza tentar cumprir o seu programa, se aumentar o salário mínimo e os outros salários, se reintegrar os funcionários públicos, se providenciar acesso à saúde e a meios de subsistência aos trabalhadores e desempregados que têm esses acessos cortados entrará inevitavelmente em choque com as instituições europeias e até, nesta época de crise, com os limites do próprio capitalismo.
Os únicos apoios que o Syriza poderá mobilizar serão so dos trabalhadores gregos e europeus incluindo os alemães.
Por isto mesmo é totalmente equivocado pôr as questões em termos nacionais e patrioteiros. Os inimigos dos trabalhadores gregos não são os alemães, mas, sim e em primeiro lugar a sua própria burguesia aliada e cúmplice da burguesia alemã e europeia.
Por isso também é um erro grave reivindicar indemnizações pela ocupação nazi.
Pergunto:
1. Independentemente da forma de uma possível reestruturação da divida, como acha que surgirão os capitais para os grandes investimentos necessários a uma retoma séria da economia grega?
1a. Se esses capitais forem públicos de onde virão sem criar ainda mais divida em algum ponto da cadeia?
1b. Se forem privados (em primeiro lugar esses capitais existem e têm liberdade de movimento, por alguma razão não estão sendo investidos; em segundo lugar o Syriza pretende aumentar os salários dos mais pobres e a carga fiscal dos mais ricos, ora isto não é exactamente a receita para atrair capitais privados) que benefícios teriam de ser dados para
os atrair?
2. Caso por algum milagre, que não antevejo, se desse uma recuperação económica forte na Grécia, com melhoria significativa das condições de vida dos trabalhadores e com a Grécia no quadro do Euro e da União Europeia, isso seria ainda uma recuperação da economia capitalista (com as necessárias vantagens para os detentores de capital).
É isto que o José Gusmão (dirigente do bloco de esquerda) defende/pretende?
Crê o José Gusmão que é possível, dentro do quadro do capitalismo e sem romper com as instituições europeias, retirar o garrote da divida do pescoço do povo grego e aumentar significativamente as condições de vida dos seus trabalhadores, jovens e reformados?
Se crê que isso é possível (as tais famosas alternativas) não se colocaria o José Gusmão como gestor do capitalismo?
Não é exactamente isto que a social-democracia pretende fazer?
Onde entrará então e para que serve alternativa socialista?
Tal e qual caro José Gusmão.
Tal e qual caro José Gusmão.
Os cenários que descreve são mesmo esses, não vai haver outros.Toda a resistência dos falcões da europa, já tem pouco a ver coma divida. Eles têm consciência que mesmo uma pequena cedência, um alargar de prazos ou alivio nos juros, significa que afinal há outro caminho, que a austeridade para alem de crime ressoltou fracasso. E depois o resto da europa sacrificada vai levantar-se. A própria opinião publica alemã vai mudar de atitude. Ai Jesus que vamos ter um novo Maio de 68 à porta.
As coisas estão de uma maneira, que mesmo que a europa imponha uma derrota à Grécia, o "Maio de 68" pode ocorrer na mesma.
A posição da esquerda honesta - de confiança- só pode ser a de não vacilar no apoio à democracia grega.
Quanto áqueles sectores da esquerda, que em vez de dizerem ao que andam, viraram comentadores, como já perceberam que isto não vai ser pera doce, vão continuar a insistir na necessidade de "alternativas de governo" a qualquer preço, e , insisto, vão procurar aconchego e estabilidade ao centro. O meu amigo chama-lhes provincianos. Eu acho que é para não lhes chamar antes empata "coisas".
Há outro sector activo na opinião pública, que anda com uma tremenda urticária. é uma pequena burguesia reacionária, que ainda tem emprego nos jornais e nas Tvs, que espuma raiva nos escritos e nas reportagens, mortinhos que estão que o Povo grego saia ainda mais humilhado, fazendo coro com as teses do governo e da direita ressabiada com a ousadia daquele povo. Tenho a sensação que o Miguel de Vasconcelos não ficou bem morto daquela vez. Nunca é tarde....
um abraço
Paulo
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