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O triunfo do Syriza foi um sinal para toda a Europa

Aproveitar o virar de página, começado em Atenas, deve ser o compromisso mínimo de todas as forças progressistas que não se revêm, ou não se podem rever, na cegueira da austeridade.

O resultado das eleições gregas não foi apenas o triunfo da esperança, como anunciava o slogan do Syriza, mas um sinal para toda a Europa. A austeridade como dogma oficial da União Europeia falhou. Falhou na resolução da crise. Falhou na proteção de quem mais precisa. Falhou na promoção do emprego e na defesa da economia. Falhou às pessoas em toda a linha. Não resolveu nenhum dos problemas a que se propôs, como os agravou gerando a crise humanitária que hoje se vive na Grécia.

Entre o medo da chantagem das instituições europeias e a esperança, os gregos decidiram. Pela primeira vez, foi eleito um Governo que, longe do rotativismo que condenou o país, fez campanha prometendo romper com o garrote da austeridade e com as “inevitabilidades” impostas por Berlim e Bruxelas como se fossem religião de Estado.

O sinal dado por milhões de gregos no domingo convoca-nos a todos, de Berlim a Madrid, de Helsínquia a Roma ou Portugal, para os limites da austeridade como dogma oficial da União Europeia. O resultado do Syriza - sim, senhor primeiro-ministro, o partido que ganhou as eleições tem nome – coloca também a questão da dívida no centro da agenda política europeia.

Mas antes do debate propriamente dito, a forma inusitada e diplomaticamente insultuosa como o primeiro-ministro comentou os resultados eleitorais de um país da União Europeia não pode passar em claro. Entendamo-nos, a última coisa que Passos Coelho, que prometeu em campanha não subir impostos, e garantiu ser mentira que quisesse descer salários e cortar subsídios de férias, pode dizer é que os eleitores de um qualquer país acreditaram num “conto de crianças”.

Compreendemos, no entanto, o incómodo do Governo português perante quem, um dia depois de tomar posse, já cumpriu mais promessas eleitorais do que PSD e CDS em quase quatro anos.

Conto de crianças, para usar a expressão de Passos Coelho, tem sido a doutrina seguida pelas instituições europeias e FMI para resolver a crise. Como diz o novo ministro das Finanças grego, injetar o maior empréstimo da história num país amarrado, como contrapartida, a um plano que o fez perder 25% da riqueza é uma verdadeira “tortura orçamental”.

Antes da intervenção da troika, a Grécia devia 107% do PIB. Seis anos e um perdão da dívida depois, deve 180%. Um em cada quatro gregos está desempregado. Um em cada cinco vive na pobreza extrema. A taxa de mortalidade infantil subiu 43%. 300 mil gregos não têm – melhor, não tinham – luz em casa.

Insistir no avanço, contra tudo e contra todos, da austeridade que está a atirar a Grécia ou Portugal para o abismo e a periferia do euro para o empobrecimento é que está a pôr em causa a democracia e a Europa.

Dizem-nos que a Grécia solicitou a ajuda internacional e, agora, terá que continuar a honrar o que assinou. Mas, e pelo falhanço estrondoso do programa da troika, ninguém assume responsabilidades?

Os compromissos devem ser respeitados, certo, mas quando é evidente que estão a destruir a economia e a tornar impossível o seu cumprimento, a obrigação moral de qualquer Governo é tudo fazer para os renegociar. É essa coragem para o confronto que é necessário, com a convicção de que a Alemanha não cede até ceder, que saiu das eleições de domingo.

Depois da chantagem inicial de Bruxelas, FMI e Berlim, as vozes na Europa começam a mudar. O Governo irlandês mostra-se recetivo a uma conferência internacional da dívida, como propõe o Syriza.

As eleições gregas marcaram, por isso, um virar de página na Europa. Um Governo não-alinhado com a doutrina austeritária ganhou as eleições. É este momento de mudança que os Governos europeus terão que entender. Hoje, na Europa, há dois campos. O de quem quer continuar a austeridade, ou a debater as formas e a dosagem da mesma, e quem quer reestruturar as dívidas para libertar os recursos para promover o emprego e o crescimento económico.

Depois do resultado de domingo e do mais recente programa do BCE, o debate sobre o fim da austeridade e a renegociação da dívida ficou no centro da política europeia. A resposta, tardia é certo, do BCE protege a estabilidade das taxas de juro atuais, mas não responde ao peso da dívida acumulada e que é impagável em países como Portugal ou a Grécia. O BCE pode responder pela estabilidade dos juros, mas só estímulos orçamentais e a recuperação dos salários poderão reanimar a economia europeia, lançar o investimento e assim criar emprego.

Aproximamo-nos, por isso, da altura das decisões. O Governo português tem que escolher se continua, como até aqui, a defender os interesses da finança, ou se se junta a quem, na Europa, coloca o futuro da economia e os interesses dos cidadãos acima da ortodoxia financeira.

A pergunta, por isso, é simples. O Governo português vai continuar a comportar-se como um delegado comercial de Berlim, ou vai aproveitar os sinais de mudança para defender os cidadãos portugueses fustigados por anos e anos de austeridade, desemprego e emigração.

A Europa tem que aproveitar a oportunidade entreaberta pela vitória do Syriza. Colocar um ponto final na austeridade, responsável pelo agravar sem paralelo da desigualdade entre os países europeus e pela crescente disparidade salarial, que coloca já metade da riqueza na mão de 1% da população.

Aproveitar o virar de página, começado em Atenas, deve ser o compromisso mínimo de todas as forças progressistas que não se revêm, ou não se podem rever, na cegueira da austeridade. Não aproveitar este momento não é apenas uma traição ao espírito de solidariedade que deveria nortear qualquer união. É não perceber que, depois deste momento, o que estará em causa não será mais a economia, mas o futuro da democracia na Europa.

A Grécia está a fazer o seu caminho para sair da crise, é agora necessário que Portugal tenha a coragem para fazer o seu.

Declaração política na Assembleia da República a 28 de janeiro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Atriz.
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