You are here
O Syriza está a falar a sério
Depois da vitória eleitoral de domingo, o Syriza ficou obrigado a negociar um acordo de governo para viabilizar a sua política, naquilo que ela tem de mais central: a restruturação da dívida. Sem uma restruturação da dívida que imponha perdas substanciais aos credores, incluindo os credores institucionais que detêm, de longe, a maior fatia da dívida grega, qualquer discurso sobre o fim da austeridade é conversa.
Nesse sentido, temos já duas boas notícias: o acordo de governo com o Anel e a nomeação de Yanis Varoufakis como Ministro das Finanças. Sobre esta segunda notícia, a escolha parece-me incontroversa. Varoufakis tem sido um incansável e qualificado defensor da restruturação da dívida e o homem certo para conduzir o que será um processo dificílimo, do ponto de vista técnico e político.
Já a escolha do Anel como parceiro para um acordo de governo tem animado um debate esclarecedor entre a esquerda portuguesa. Não é surpreendente: este partido é conhecido por ter posições contra a imigração e os homossexuais que o colocam nos antípodas de um partido como o Syriza. A esse respeito, são relevantes duas notas: (1) a posição do Anel sobre imigração é semelhante à das grandes famílias europeias (PPE e Socialistas) e, portanto, compará-lo à Frente Nacional ou à Aurora Dourada é um exagero que só pode ter propósitos propagandísticos. (2) O acordo Syriza-Anel incidirá sobre as questões económicas e da dívida, deixando de parte qualquer compromisso sobre direitos individuais, área em que as posições são antagónicas e o Syriza tem parceiros bem mais frequentáveis. Era melhor que o Syriza tivesse tido maioria absoluta para dispensar más companhias? Era. Mas não teve.
Seria melhor o Syriza ter privilegiado outros parceiros? Quais, então? O Partido Comunista Grego aceitou reunir com o Syriza, mas apressou-se a adiantar que não faria qualquer acordo de Governo, em coerência aliás com o que já tinha feito na sequência das anteriores eleições. O Pasok defende o memorando e o “respeito pelos compromissos do Estado grego”. Os compromissos com os credores, bem entendido, que com os cidadãos não há compromissos relevantes. O Partido de Papandreou não entrou no Parlamento, tal como o Dimar, reduzido à total irrelevância.
Restaria o Potami, um partido de centro, euro-entusiasta, que se tornou a esperança de vários comentadores para “moderar” o Syriza na sua relação com as instituições europeias. O Potami é um partido com o qual o Syriza tem pontos de convergência em muitas áreas e com o qual terá, com toda a probabilidade, muitas alianças pontuais. Tem um pequeno inconveniente: não é um aliado fiável para a condução de um processo de confronto com as instituições europeias sobre a questão da dívida. E esse confronto é decisivo.
Defender a restruturação dívida não é achar que era uma óptima ideia se toda a gente se pusesse de acordo sobre o assunto: Merkel, Tsipras, Juncker, Draghi, etc. Quem governar a Grécia tem de ter uma posição de força. Se essa posição depender de um acordo com quem andou a destruir a Grécia, então esse Governo não estará a negociar. Estará a pedir batatinhas. E terá o mesmo sucesso que tiveram os pedintes anteriores.
Ao contrário do Potami, o Anel mostrou-se disponível para esse confronto. O que resulta desse acordo é o que se poderia classificar como um Governo de unidade patriótica. Esse governo, se honrar o seu compromisso, terá um apoio social esmagador. E precisa dele para enfrentar dificuldades tremendas. Não sabemos se o Anel se aguentará à bronca. Sabemos, sim, que se o Syriza se amarrasse a um parceiro cuja primeira preocupação é entender-se com as instituições europeias, o Governo do Syriza não durava três meses. Nem um. Cairia na primeira chantagem, na primeira retaliação. E haverá muitas.
Estou naturalmente a excluir o cenário louco-furioso de rejeitar qualquer acordo de Governo e provocar novas eleições, exigindo uma maioria absoluta. Semelhante disparate deixaria o Syriza politicamente isolado e ainda mais distante da maioria absoluta ou mesmo… da relativa.
Naturalmente, está quase tudo por fazer. As dificuldades que o Syriza enfrentou até agora são uma brincadeira comparadas com o que agora os espera. Era bem mais fácil enfrentá-las com uma maioria absoluta. Os gregos não quiseram assim. Resta esperar que o Syriza consiga apoios sólidos no Parlamento. E saiba manter os que tem na rua.
Artigo publicado em Ladrões de Bicicletas
Comments
Deixo uma nota de preocupação
Deixo uma nota de preocupação acerca da possibilidade da pasta da defesa ser atribuída aos Gregos Independentes. Sempre achei, um pouco na linha do Partido Comunista da Grécia, o desenterrar de algum argumentário sobre reparações à Grécia por causa dos estragos na II Guerra Mundial lastimável. Cuidado para que a paranóia sobre «chantagens alemãs» não tome conta de algumas cabeças... (Se o Syriza é um partido da esquerda democrática e quer governar com maioria absoluta que recusasse formar governo e fosse de novo a eleições, esclarecendo e mobilizando o eleitorado)
É da facto um governo de
É da facto um governo de unidade patriótica.
Já conhecemos outros na história, o governo de Kerensky, as frentes populares em França e Espanha, o governo de unidade popular no Chile, os governos PS, PC e PSD depois do 25 de Abril.
Sempre que a esquerda comprometeu o seu programa aliando-se à direita o resultado, com a excepção de Kerensky que foi derrubado pelos Sovietes com maioria Bolchevique, foi desastroso para os trabalhadores.
Não é só a posição do ANEL sobre a imigração e os homossexuais que o colocam nos antípodas do Syriza.
O Syriza diz-se socialista e quem votou nele é isso que espera - politicas socialistas. É isto que o deve colocar nos antípodas do ANEL.
O ANEL é um partido de direita um partido saído da Nova Democracia, um partido burguês que foi votando no parlamento o essencial das medidas da Nova Democracia.
Engana-se José Gusmão que o essencial é a reestruturação da divida.
Mesmo imaginando que haveria um perdão importante da dívida (algo que já aconteceu e poderá voltar a acontecer) e uma suavização dos termos de pagamento, isso seria feito a troco de quê. Em que condições imagina José Gusmão que a economia CAPITALISTA grega poderia voltar a crescer, absorver o desemprego e dar aos trabalhadores gregos pelo menos o suficiente para uma vida decente. Sim quanto teriam que ganhar os capitalistas gregos e internacionais para obrarem esse milagre?
Só indo decididamente contra as bases da economia capitalista grega , só com um programa socialista será possível enfrentar a crise. Mas, isso não se fará em unidade patriótica com os capitalistas gregos.
Ainda se lembrará José Gusmão da frase - Os trabalhadores não têm..........
Está claro que a ausência de um programa socialista claro faz destas coisas, pretender governar com a direita na Grécia e por cá assinar manifestos com a Ferreira Leite e Bagão Félix (devem ser os nossos burgueses patrióticos).
Caro José Gusmão.
Caro José Gusmão.
O seu apontamento é de uma grande clarividência. Não podia estar mais de acordo.
Estou também de acordo com a leitura política que o Luis Fazenda faz sobre as tarefas
que estão neste momento acometidas ao novo governo grego.
Àqueles, como o Bloco de Esquerda, e outros fora dele sempre souberam solidarizar-se com o povo grego e com os povos sob o jugo da Troika, cabe a tarefa obrigatória de prestar todo o apoio ao novo governo. É o "nosso" governo. O governo que gostaríamos possível em Portugal, para restituir a dignidade e a soberania, que aqueles que nos tem governado calcaram aos pés.
Já se previam os comentários à "esquerda" e à direita sobre a composição do novo governo grego. Não vão faltar os apelos à moderação e à inclusão de mais forças políticas. Não vão também faltar as críticas esquerdistas a defender a revolução " a todo o vapor", com muitos proridos com a aliança com o Anel. Pois tendo em conta o garrote que as alimárias no poder na europa colocaram ao povo grego, o Syriza tem todo o direito, o dever até, de se aliar ao diabo se for preciso, para vergar a arrogância da troyca/Merkel/junker e cia. Quanto à Revolução Bolchevique, descansem os ansiosos. Há-de chegar a hora do nosso assalto ao Palácio de Inverno. Às vezes só lá se chega com um passo em frente e dois atrás. O importante é não perder o rumo e as convicções. Saber estar sempre do lado certo da barricada. é aqui que muito boa gente se equivoca. ou resvalam para a esquerda quando é fácil e está na moda, ou se aconchegam no centro, quando a luta é mais dura.
Saudações bloquistas
O povo grego vencerá
Paulo
Caro Paulo
Caro Paulo
Permita que aproveite o seu comentário para tecer alguns comentários adicionais.
Em primeiro lugar, quando sossega os "ansiosos" sobre o momento do "assalto ao Palácio de Inverno" e cita, equivocadamente, Lenine, concordará comigo que, se dá dois passos atrás depois dar um em frente, ficará um passo atrás da sua posição de partida.
Imagino que não foi a andar para trás que o soviete de Petrogrado assaltou o Palácio de Inverno.
Em segundo lugar e mantendo-nos em Petrogrado e com Lenine o cerne de toda a sua linha politica sempre foi de não aceitar acordos de governo com partidos burgueses.
Naturalmente que isto nada tem a haver com esquerdismo.
A questão decorre das próprias medidas que o governo terá que tomar se quiser enfrentar a crise.
Essas medidas terão que atacar o capitalismo e os capitalistas que desde o primeiro momento farão tudo para criar o caos e derrubar um governo com um programa socialista.
Ora o papel dos Independentes Gregos (partido saído de uma cisão da Nova Democracia) na coligação de governo será exactamente (aliás como eles publicitam) de evitar que essas medidas sejam tomadas.
Hoje mesmo os noticiários informam que os juros da dívida a 10 anos na Grécia já ultrapassam os 10%, que o valor bursátil dos principais bancos gregos já caiu 25% nos últimos 3 dias e que a Bolsa, hoje mesmo estaria a cair 8%.
Isto são apenas alguns sinais da brutal pressão (boicote) que os capitalistas gregos e internacionais fazem e farão sobre um governo Siryza.
Para afrontar tudo isto, o Syriza só poderá contar com o apoio dos trabalhadores gregos e dos trabalhadores europeus. Nunca contará com "os seus parceiros europeus" ou com os "Independentes Gregos". Entrar nessa luta de mãos e pés atados, com o inimigo dentro de portas é um erro com consequências gravíssimas.
Sempre desconfiei dos socialistas que nunca acham que seja chegado o momento de avançar para o socialismo.
Para estes socialistas o socialismo é algo que serve para fazer uma celebrações e cantar uns hinos abraçando os seus companheiros, mas, realizá-lo, avançar decididamente para ele isso já é outra conversa.
O capitalismo tem todo o seu corpo doente, mesmo com as quantidades astronómicas de medicamentação e esteroides, sob a forma de taxas de juro perto do 0 %, de expansão do crédito e produtos derivados numa extensão nunca antes vistas, de "quantitative easings" no valor de biliões no Reino Unido, nos USA e agora na Europa, o paciente não recupera, mantem-se vivo, mas, anémico, arrastando milhões e milhões para a miséria e destruindo todo o tecido social.
Numa altura destas e quando se obtém uma maioria como a que teve o Syriza não será o momento de acabar de vez com o capitalismo e fazer nascer uma nova sociedade? Se não é agora, quando será?
Aparecem então estes "socialistas responsáveis", não para acabar com o capitalismo, mas, propagandeando remédios milagrosos, para salvar o doente, para inverter o seu estado terminal, "relançar o investimento", fazer "crescer a economia" (CAPITALISTA) e acabar com o desemprego e com os salários de miséria.
Se isto fosse possível, para quê o socialismo?
Afinal quem é utópico?
Ser contra isto é ser esquerdista?
Add new comment