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Arquivar é absolver?

A propósito de Paulo Portas, do ministério público e dos submarinos. Por mais críticas que se faça ao MP, nenhuma crítica autoriza que se pretenda transformar o arquivamento na absolvição dos investigados.

Não é aceitável que uma investigação se prolongue por mais de oito anos. E que, oito anos depois, o resultado seja um flop. Se tivesse havido acusação, os crimes já tinham prescrito. Ridículo. Não é bom para a imagem da justiça, nem para a credibilidade da investigação criminal. Os suspeitos vão ardendo em lume brando. A democracia exige muito mais. Mas por mais críticas que se faça ao MP, nenhuma crítica autoriza que se pretenda transformar o arquivamento na absolvição dos investigados. E, hoje, esse é o ponto.

Há oito anos, o DCIAP iniciou uma investigação ao negócio dos submarinos por suspeita de corrupção sob a forma de pagamento de luvas a decisores políticos. Entenda-se, decisores políticos neste caso são dois: Durão Barroso e Paulo Portas. O primeiro era chefe do governo que fechou a compra dos submarinos, o segundo era ministro da Defesa e, como ambos disseram no inquérito parlamentar, a responsabilidade foi toda de Paulo Portas. Exilado em Bruxelas, Durão Barroso ficou na sombra da investigação, toda a suspeita se centrou em Paulo Portas. Injusto? Talvez, mas acontece. Se a justiça nem sempre é justa, muito menos o são os inquéritos criminais…

O DCIAP precisou de oito anos para arquivar o processo. Ninguém foi acusado, não se provou o crime de corrupção. A direita suspirou de alívio, transformou o arquivamento na “absolvição” de Paulo Portas que, finalmente, “pode dormir tranquilo”.

Esta “absolvição” de Paulo Portas tem tanto de encenada como de precipitada, como qualquer um percebe se ler o despacho de arquivamento ou se tiver acesso aos documentos recolhidos e às audições realizadas no inquérito parlamentar. É uma “absolvição” construída sobre os silêncios de uns e as mentiras de outros, em alguns casos os mesmos, e que beneficiou do desaparecimento de documentos muito reveladores. Por isso é uma absolvição frágil, muito frágil.

O que diz o despacho?

Que foram detetadas ilegalidades administrativas, que podiam levar à nulidade do contrato. Que foi obscura a adjudicação da operação financeira que pagou os submarinos. Que Paulo Portas excedeu o mandato conferido pelo Conselho de Ministros em 2003 ao celebrar um contrato de compra diferente dos termos estabelecidos na adjudicação. Que Paulo Portas conduziu negociações que decorreram de forma opaca e produziram alterações significativas no equipamento, na fórmula de cálculo do preço e nas contrapartidas. Que foi Paulo Portas a incluir o BES no consórcio que financiou a compra dos submarinos, em detrimento de outros bancos. Que foi Paulo Portas que se envolveu diretamente nas negociações, inclusive com o próprio Ricardo Salgado, para rever em alta o contrato de financiamento: a margem de lucro para os bancos do consórcio aumentou de 0,19 para 0,25%, com óbvio prejuízo para as contas públicas. Absolvição?

E, finalmente, que esta documentação desapareceu do Ministério de Paulo Portas, impedindo de se “percecionar o modo como se desenrolou o processo concursal que culminou com a celebração dos contratos de financiamento”. Desaparecimento que ninguém – governos, MP - achou por bem investigar.

Ao ministro Paulo Portas cabia cuidar da conservação destes documentos. Convenhamos ser um desaparecimento muito conveniente. Sem papéis não há provas, sem provas não há acusação, sem acusação não há crime, sem crime não há condenação. Quem beneficiou com a negligência de Paulo Portas? E nem as célebres fotocópias apareceram para dar uma ajuda aos investigadores… Absolvição?

O despacho do MP diz preto no branco o que silêncios e mentiras conseguiram esconder no inquérito parlamentar Os administradores da Escom, ouvidos no Parlamento, recusaram ter pago prémios, bónus ou luvas fosse a quem fosse. “Só pagámos a colaboradores e de acordo com as regras habitualmente praticadas”.

Vejamos. Os alemães contrataram e pagaram 30 milhões de euros à Escom, empresa do BES, pela assessoria às contrapartidas nacionais. Como hoje sabemos, essas contrapartidas foram um fiasco. Não admira. A contratada Escom era especializada em projetos de investimento em África e as contrapartidas eram para empresas portuguesas. As razões desta contratação, ainda hoje, são um mistério.

30 milhões por um fiasco. 5 milhões foram para a família Espírito Santo. Um milhão para cada ramo, como está registado nas atas gravadas do Conselho Superior do GES, cuja audição deve ser interdita a crianças e pessoas de sensibilidade mais apurada. Segundo um administrador da própria Escom, 16 milhões foram prémios distribuídos aos três membros da administração e a um consultor. E cerca de 4 milhões pagaram custos financeiros e administrativos, despesas de consultoria (técnica, jurídica, financeira) e alguns salários. Por último – e segundo o mesmo administrador, um pouco mais de 2 milhões foram consumidos na criação de um fundo secreto nas Bahamas apenas com o objetivo de esconder o destino do dinheiro pago pelos alemães à Escom.

A ser verdade o que contou esse administrador da Escom, tudo somado, faltam 3 milhões de euros. Onde estão, a que mãos foram parar? Não sabemos, a investigação não descobriu, quem sabe e quem o recebeu não diz, silêncios e mentiras que os paraísos fiscais protegem.

Faltam três milhões e alguém foi contemplado com eles. Nestas negociatas, quem distribui o “lucro”, quem “paga” não se engana: só recebe quem merece e só merece quem ajuda, quem colabora, quem facilita, quem decide. No mundo da corrupção não há borlas nem desperdícios. Não é difícil ver quem terá, também, merecido o seu quinhão, aqueles milhões. Afinal de contas, nesta história, sabemos bem quem foi quem e quem fez o quê. Absolvição?

Termino, repetindo o que disse no final da comissão de inquérito: voltaremos a ouvir falar dos submarinos. Para alguns, continuarão a ser um pesadelo.

Artigo publicado no jornal “Público” em 26 de dezembro de 2014.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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