Os procuradores Josefina Fernandes e Júlio Braga consideram que Paulo Portas, então ministro de Estado e da Defesa Nacional, “excedeu o mandato” que lhe foi conferido pelo Conselho de Ministros em 2003 ao celebrar um contrato de compra que não corresponde aos critérios estipulados aquando da adjudicação.
No despacho de arquivamento do inquérito à compra dos submarinos pelo Estado português, citado pelo jornal Público, os dois procuradores frisam ainda que as negociações com o consórcio alemão “decorreram de forma opaca”, tendo sido identificada “a violação de princípios e normas de natureza administrativa”, que podem resultar na nulidade do contrato.
Negociações “decorreram de forma opaca”, tendo sido identificada “a violação de princípios e normas de natureza administrativa”, que podem resultar na nulidade do contrato
“As negociações entre o Estado português e o adjudicatário, após a retoma do processo por via da resolução do conselho de ministros 67/2003 decorreram de forma opaca, sem a elaboração de atas das reuniões, numa conjuntura complexa resultante de indefinições do programa e do desajustamento do caderno de encargos quanto às especificações técnicas em virtude da evolução tecnológica verificada após as melhores ofertas de 2000”, lê-se no documento.
“Tais negociações levaram à celebração de um contrato substancialmente diverso do adjudicado pelo Conselho de Ministros já que aspetos essenciais dos direitos e deveres das partes foram alterados”, avançam Josefina Fernandes e Júlio Braga.
Segundo refere o Público, entre as alterações mais flagrantes, são assinaladas “alterações de monta” no equipamento que acompanha os submarinos, na fórmula do preço, e na introdução de uma contrapartida de valor “muitíssimo significativo” que “nem sequer foi objeto de qualquer relatório de avaliação”.
“Convém enfatizar que, face à opacidade do processo negocial, conforme já referido, não é percetível, em grande parte das situações mais melindrosas, como e com quem foram obtidos alguns consensos que se materializaram nos contratos celebrados”, afirmam os magistrados do Ministério Público, sublinhando que “só foi possível fazer uma reconstituição fragmentada, assente na análise de troca de emails, apontamento à mão e testemunhos contraditórios entre si e pouco esclarecedores”.
Procurador concluem que foram tomadas decisões lesivas ao Estado Português
Josefina Fernandes e Júlio Braga admitem que foram tomadas decisões lesivas ao Estado Português, sendo que este se encontrava numa “situação muito frágil” nas negociações que tiveram lugar após a adjudicação da compra”, na medida em que “já adjudicara o contrato e necessitava da colaboração do consórcio para o financiamento”.
No despacho de arquivamento do inquérito, é ainda mencionado que o atual vice-primeiro-ministro do governo PSD/CDS-PP exigiu que o Banco Espírito Santo (BES) incorporasse o consórcio bancário que financiou a compra de dois submarinos pelo Estado português.
Paulo Portas exigiu que o BES integrasse o consórcio bancário e permitiu o aumento da sua margem de lucro
Paulo Portas possibilitou ainda que, já posteriormente à sua apresentação, a proposta do consórcio Crédit Suisse First Boston (CSFB)/ BES fosse revista em alta, permitindo que as margens de lucro destes bancos aumentassem de 1,9 para 2,5%.
Negócio rendeu 27 milhões a arguidos e membros do GES
Ainda que os procuradores tenham concluído que o negócio dos submarinos rendeu aos arguidos do processo – o presidente da Escom, Hélder Bataglia, e Miguel Horta e Costa, Luís Horta e Costa e Pedro Ferreira Neto, do Grupo Espírito Santo - e a outros membros do GES, cerca de 27 milhões de euros, não foi possível prosseguir com a acusação de fraude fiscal qualificada, branqueamento e corrupção, “face à impossibilidade de reconstituição de todos os fluxos financeiros".
Não foi possível prosseguir com a acusação de fraude fiscal qualificada, branqueamento e corrupção “face à impossibilidade de reconstituição de todos os fluxos financeiros"
"Sem recurso aos dados constantes do RERT (Regime Excecional de Regularização Tributária) e às declarações dos arguidos – não há elementos probatórios que permitam inferir quem eram os beneficiários das contas para onde foram feitas as transferências (MAXELLIS, MAARLEY, GAMOLA E ROBINSON) ou quem eram os titulares das ações da FELLTREE INC", refere o Ministério Público (MP).
Num comunicado sobre o arquivamento do inquérito, o MP aponta ainda que “os membros do Conselho Superior do Grupo Espírito Santo – António Luís Roquette Ricciardi, Ricardo Espírito Santo Salgado, Manuel Fernando Espírito Santo Silva e José Manuel Pinheiro Espírito Santo Silva – receberam cada um um milhão de euros, tendo regularizado a sua situação tributária através do RERT”.
Mónica, Marta, Tiago e Pedro Mosqueira do Amaral também foram os beneficiários de um depósito de um milhão de euros. Apenas Tiago Mosqueira do Amaral não regularizou através do RERT a sua situação tributária, tendo esta informação sido encaminhada para a Autoridade Tributária.
O magistrados lamentam que as autoridades judiciárias alemãs nunca tenham facultado a documentação que lhes foi solicitada e que era “indispensável à reconstituição dos circuitos financeiros dos eventuais pagamentos de luvas”. A inação da justiça das Bahamas também é alvo de criticas.