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Caso BES: Por que é que é importante olhar para a KPMG?

A abrangência do conhecimento da KPMG em relação ao Grupo Espírito Santo levanta duas questões: Como é que a KPMG, auditora do BESA, não avisou a KPMG, auditora do BES, sobre os problemas que o banco angolano estava a atravessar? A KPMG, que auditava a maior parte das empresas do ramo financeiro do grupo, não era a entidade em melhor posição para reconhecer e antecipar os problemas no GES? Por Mariana Mortágua.
A KPMG, que auditava a maior parte das empresas do ramo financeiro do grupo, não era a entidade em melhor posição para reconhecer e antecipar os problemas no GES? - Foto de Paulete Matos

A KPMG era a revisora de contas do BES desde 2002. Cabia-lhe a análise e aprovação, ou não, das contas financeiras do banco. Para além do BES, a consultora/auditora/revisora trabalhava ainda para a grande maioria das empresas financeiras do Grupo Espírito Santo (ver lista aqui). Entre elas, a Espírito Santo Financial Group, a Espírito Santo Irmãos, a Espirito Santo Financial e, claro, o BESAngola (ver estrutura aqui). A abrangência do conhecimento da KPMG em relação ao Grupo Espírito Santo levanta duas questões, às quais não podemos, não queremos, nem devemos fugir.

Em primeiro lugar, como é que a KPMG, auditora do BESA, não avisou a KPMG, auditora do BES, sobre os problemas que o banco angolano estava a atravessar?

Desde 2011, que a KPMG, nos pareceres às contas do banco angolano (ver Relatórios e Contas aqui), chama a atenção para problemas com a carteira de crédito, inexistência de mecanismos informáticos para aferir o destino dos empréstimos concedidos, existência de imóveis reais que não estavam nas contas, e imóveis nas contas que não eram reais. As contas foram, ainda assim, aprovadas, mas a informação existia e era conhecida.

Ora, e o que é que o BES Portugal tinha a ver com isto? É que o BES (pt) tinha registados, em 2012, 2.800 milhões de euros de empréstimos à sua “empresa-filha” angolana. O problema é óbvio: se o BESA entrasse em apuros por não recuperar os créditos desconhecidos – que hoje sabemos terem ido para figuras próximas de Álvaro Sobrinho e do regime angolano – podia não ter o dinheiro para pagar as suas dívidas ao BES, pondo este também em apuros. E é exatamente por causa deste risco que o BES deveria ter constituído uma provisão. Por outras palavras, deveria ter posto dinheiro de lado para se prevenir de uma perda daquela dimensão. Se esta provisão tivesse sido feita, teria ficado claro, logo em 2012/2013, que o BES não possuía o capital suficiente para fazer face a todos os riscos do seu balanço.

Excerto do parecer da KPMG às contas de 2012 do BESA

Por que é que a KPMG não obrigou o BES a fazê-lo? Esta é uma das questões cruciais da comissão de inquérito. De início, o presidente da KPMG, Sikander Sattar, começou por ensaiar uma suposta independência entre a KPMG Angola e a KPMG Portugal, mas rapidamente concluímos que, afinal, ele próprio é o presidente de ambas as empresas. Mais, antes de 2011 nem existia KPMG Angola. Tudo indica que era a KPMG Portugal que auditava o banco angolano e foi a KPMG Portugal que ‘ajudou’ (para não dizer mais) à sua constituição, bem como no trabalho com o BESA. Apesar das várias perguntas nesse sentido, continuamos sem saber quem foi a pessoa/equipa responsável pela assinatura das contas do BESA. Sikander Sattar, presidente da KPMG Portugal disse aos deputados da comissão de inquérito que não podia responder enquanto Sikander Sattar, presidente da KPMG Angola…

Em segundo lugar devemos questionar se a KPMG, que auditava a maior parte das empresas do ramo financeiro do grupo, não era a entidade em melhor posição para reconhecer e antecipar os problemas no GES? Por exemplo, só em julho descobriram um esquema fraudulento de emissão de obrigações a funcionar, pelo menos, desde janeiro. Estes títulos, entre outras entidades, passavam pelo BES, pelo ES Panama, e pelos ‘veículos’ Euroaforro, TopRenda e pela Poupança Plus I. Todas elas auditadas pela KPMG, ainda que em países diferentes. Mais, segundo notícias internacionais, o anterior auditor destes veículos terá feito considerações à forma forma subjetiva como os seus ativos eram avaliados.

Todos estes factos fizeram com que a auditora fosse alvo de críticas internacionais. Mas vale sempre a pena lembrar que não é caso único. A KPMG auditava o BCP quando o escândalo dos offshores rebentou e nem por isso foi afastada do banco, que ainda hoje audita. Como a KPMG há muitos outros casos, particularmente entre as quatro maiores auditoras do mercado. Empresas ‘independentes’ que são pagas pelos bancos e empresas que auditam, e a quem fornecem vários serviços, entre eles aconselhamento jurídico e fiscal sobre as melhores formas de usar a lei a favor dos clientes.

Artigo publicado no blogue Disto tudo em 5 de dezembro de 2014

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Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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