Uma política que mata

porMarisa Matias

07 de December 2014 - 0:02
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A ONU denuncia aquilo que muitos em Portugal já disseram. A austeridade em Portugal desencadeou uma catástrofe humanitária. As causas não são naturais. São humanas.

A ONU divulgou um documento em que denuncia os “impactos adversos” da política de austeridade, num país em que uma em cada três crianças é pobre e em que as mortes por malnutrição aumentaram 60% entre os idosos. A ONU denuncia aquilo que muitos em Portugal já disseram. A austeridade em Portugal desencadeou uma catástrofe humanitária. As causas não são naturais. São humanas. A austeridade mata porque ataca as instituições que durante décadas aumentaram a esperança e a qualidade de vida de milhões de portugueses.

Uma dessas instituições é o Serviço Nacional de Saúde. O SNS é uma instituição fundamental num país que já era em 2012 o segundo país mais envelhecido da União Europeia. Desde 2012, o Governo português encarregou-se de mandar embora mais de 200 mil portugueses, jovens e menos jovens, em busca da esperança que não encontraram no seu país. Um crime de lesa-pátria, que nos deixou mais pobres e mais envelhecidos, que destruiu famílias e comunidades. É claro que num país envelhecido, um Serviço Nacional de Saúde solidário é uma questão de direitos humanos.

É por isso que o estudo da OCDE sobre indicadores de saúde de 2014, recentemente divulgado, traça um retrato inquietante. Portugal foi um dos países em que a despesa de saúde total (despesa do Estado mais a despesa das famílias) mais diminuiu. Mas essa diminuição ficou a dever-se inteiramente aos cortes gigantescos do investimento público na saúde. Ao mesmo tempo, Portugal foi de longe o país em que os pagamentos directos das famílias mais aumentaram.

Esta é uma transformação grave. O Serviço Nacional de Saúde assenta na ideia de que todos contribuímos através dos impostos para que a saúde não falte a ninguém. É a política da solidariedade. O que este Governo faz é enterrar o dinheiro dos contribuintes na salvação de uma banca decadente ou em borlas fiscais para as grandes empresas, ao mesmo tempo que faz com que os que precisam de cuidados de saúde, os paguem duas vezes. Os que podem, claro. Aos que não podem, este Governo vira as costas. Com as consequências que a própria ONU se sente obrigada a condenar.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” em 6 de dezembro de 2014

Marisa Matias
Sobre o/a autor(a)

Marisa Matias

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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