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De que PS não precisávamos?

No jornal Público assistimos a um debate bem interessante entre Francisco Assis e o jovem dirigente socialista do Porto, Tiago Barbosa Ribeiro. Quando hoje vemos o Congresso do PS somos levados a uma pergunta diferente da de Assis e de Barbosa Ribeiro.

Nas páginas do jornal Público nos últimos dias assistimos a um debate bem interessante entre o conhecido dirigente socialista Francisco Assis (20/11/2014) e o jovem dirigente socialista do Porto, Tiago Barbosa Ribeiro (26/04/2014). Os textos levantam duas perguntas interessantes: “De que PS precisamos?”, pergunta Assis; e “De que PS não precisamos?”, pergunta Barbosa Ribeiro.

Na resposta à primeira pergunta Francisco Assis cita deselegantemente um texto do Tiago Barbosa Ribeiro sem citar o autor, que defendia que a proposta de Assis de que uma coligação PS/PSD era absurda e apenas motivada por uma “obstinação ideológica”. Assis responde que as ideias de Barbosa Ribeiro são de “insuportável arrogância moral, indisfarçável propensão para o simplismo doutrinário, preocupante valorização de uma linguagem emocional em detrimento da argumentação racional, inquietante incompreensão da realidade contemporânea”. O tom é de clara irritação. Mas Assis concretiza a sua teoria: “[Tiago Barbosa Ribeiro] quer um PS empenhado na recusa do Tratado Orçamental, numa revisão do Código do Trabalho, na revalorização do Estado e na renegociação da dívida impagável, voltado para uma reforma fiscal que penalize mais o capital do que o trabalho.” Segundo Assis, este programa faria “o PS renegar o essencial da sua trajetória histórica enquanto grande partido do centro-esquerda e autocondenar-se-ia a um estatuto de absoluta irrelevância no plano europeu”. E joga o seu trunfo final: “O país não precisa de um PS iludido com a perspetiva de uma impossível unidade de esquerda, aliás historicamente desqualificada. O país carece de um PS empenhado na enunciação de um programa de governação sério, credível e exequível. António Costa já deu provas suficientes de que não concebe outro caminho que não seja este. Ainda bem.”

Assis foi agressivo no debate, mas absolutamente luminoso em clarificar ao que vem. Para ele o PS não pode ter um programa de rutura com o atual quadro político europeu de imposição de mais rigor orçamental amarrado a mais austeridade. Do que o PS precisa são de políticas “exequíveis”, nem que para isso tenha de se coligar com o PSD.

Tiago Barbosa Ribeiro na resposta em “De que PS não precisamos?” não se inibiu perante a violência do adversário. Tem razão em quase todos os seus argumentos. A saber: (1) Não é possível debater o papel do PS na governação sem discutir as responsabilidades históricas da social-democracia; (2) O Estado-social foi a principal conquista histórica e popular depois de II Guerra na maioria dos países ocidentais; (3) O eixo Reagan-Thatcher personifica um novo quadro de liberalização, recessão, pobreza e mais desigualdades; (4) Os socialistas falharam quando assumiram o programa e os pressupostos ideológicos da direita; (5) As escolhas da social-democracia nestes anos levaram a uma crise e derrocada de muito dos seus partidos; (6) Um programa de esquerda para estes tempos exige uma reforma laboral que pare a flexibilização, uma reforma fiscal que liberte o trabalho, uma rutura com o Tratado Orçamental que asfixia os Estados e as economias e uma reestruturação da dívida que liberte recursos e pare o garrote dos juros agiotas.

Dentro desta argumentação o autor conclui: “A esquerda não pode ser um artifício retórico, nem é uma palavra maldita. Por isso, tão ou mais importante do que o PS que queremos, é termos bem ciente que PS não queremos. E um PS de centro-esquerda que não afirma uma política alternativa à cartilha neoliberal não merece os votos do centro-esquerda.”

Creio que tem absoluta razão. Mas a pergunta que devemos fazer não pode ser defensiva. Mais do que saber de que PS o país não precisa, precisamos de saber qual é exatamente o PS que se prepara para ir a eleições e governar o país. É esse o problema que marca o Congresso do PS deste fim-de-semana.

Quando desafiado sobre a rutura com o Tratado Orçamental, António Costa responde que é necessária uma “visão inteligente” deste Tratado no quadro de uma imaginária Europa que vai dar mais recursos e margem. Quando desafiado sobre a chantagem do Euro, António Costa espera que a Comissão Europeia dê mais uns dinheiros para combater as desigualdades regionais e entre países. Quando desafiado sobre a reestruturação da dívida, António Costa dá ordem aos deputados do PS para que se faça apenas um “ciclo de debates” no Parlamento em que a palavra reestruturação é proibida. Quando desafiado sobre a defesa do Estado-social, António Costa defende a ilusão de que é possível cumprir as exigências europeias e simultaneamente defender o Estado-social. Quando desafiado sobre a resposta de Portugal à chantagem europeia para mais austeridade, António Costa vende a ilusão de que é possível que a curto prazo a Europa mude, quando a própria Europa se prepara para vetar orçamentos dos Estados e para aprofundar uma estrutura institucional antidemocrática.

O problema é este: quando desafiado sobre os problemas que muito bem Tiago Barbosa Ribeiro aponta como prioritários, António Costa foge do debate. Quando não foge, vende ilusões.

É por isso que quando hoje vemos o Congresso do PS somos levados a uma pergunta diferente da de Assis e de Barbosa Ribeiro. Essa pergunta é simples: de que PS não precisávamos? Seguramente não precisávamos deste PS. Infelizmente é este PS que vai a Congresso este fim-de-semana.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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