Foi Tim Geithner1 que tornou pública a informação2, confirmando o que sempre soubemos: em fevereiro de 2010, sem ter a menor ideia da crise do euro que estava a ponto de engoli-los, os líderes do Norte da Europa decidiram esmagar a Grécia. Castigar coletivamente (mesmo contra a Convenção de Genebra) uma nação por ter falido dentro de uma Eurozona cuja arquitetura nunca levou em consideração a possibilidade de um Estado-membro poder chegar à insolvência.
“Vamos ensinar uma lição aos gregos. São realmente terríveis. Mentiram-nos. Sanguessugas esbanjadores, aproveitaram-se basicamente de tudo e vamos esmagá-los. [Essa] era a sua atitude, a de todos eles”.
A reação a este tipo de discurso não era motivada pela preocupação de Geithner com o “iminente” esmagamento dos gregos, mas sim com o facto de os europeus do Norte, no processo de triturar os gregos, estarem a ponto de dar um tiro no pé. Como escrevi em 2010 (num artigo intitulado "Um Novo Versalhes ameaça a Europa?): "... converter países como a Grécia em descampados sob o sol, e forçar o resto da Eurozona a cair numa espiral cada vez mais rápida de dívida-deflação, é uma maneira muito eficiente de minar a própria economia da Alemanha. Assumindo que a Grécia está a receber o que merece, será que os esforçados alemães merecem uma elite política que os leva em ritmo acelerado à catástrofe económica?”
Geithner era a única pessoa naquela sala de enfurecidos europeus que estava de olho na bola de cristal.
"Mas o mais importante é que me lembro de lhes ter dito: podem pisar o pescoço desses tipos, se é isso que querem. Mas têm de enviar um sinal de tranquilidade à Europa e ao mundo a garantir que vão manter a coisa unida e não permitir que desande. [Que vão] proteger o resto".
O ocorreu de seguida é, evidentemente, história. A Grécia foi esmagada. E foi esmagada não por deixá-la entrar em default, mas, pelo contrário, impondo o maior empréstimo da história sobre os seus debilitados ombros, com a condição de que devia renunciar a 30% do seu PIB nominal (em euros). No processo, o resto da Periferia (para onde se exportou o modelo 'esmagar a Grécia') foi fiscalmente submetido à tortura do afogamento, com o resultado de ter levado a Zona Euro à beira do abismo e, quando o Sr. Draghi interveio, entrou numa longa e lenta espiral de dívida-deflação da qual só podem florescer a fragmentação e a discórdia.
De volta a Grécia, a elite que assinou o Tratado de Versalhes grego, e que permanece no poder (de uma forma modificada), está a invocar as revelações de Geithner para dizer (a pessoas como eu): “Veem qual era o estado de ânimo na Europa nessa altura? Se tivéssemos adotado uma postura dura, como vocês nos sugeriam, ter-nos-iam esmagado!”
Exatamente como a Alemanha foi esmagada pelos aliados vitoriosos após a Grande Guerra, forçando-a a assinar o Tratado de Versalhes, a Grécia foi forçada a aceitar os empréstimos tóxicos.
A minha réplica é: “esmagaram-nos, mesmo, através de um resgate que vocês assinaram e que continuam a fingir que estão a honrar! Exatamente como a Alemanha foi esmagada pelos aliados vitoriosos após a Grande Guerra, forçando-a a assinar o Tratado de Versalhes, a Grécia foi forçada a aceitar os empréstimos tóxicos que resgataram, não a Grécia, mas os bancos do Norte da Europa, com o resgate Mk1, e os banqueiros gregos (que, ao contrário dos enfraquecidos gregos, nunca foram esmagados), com o resgate Mk2.”
A escolha que a Grécia tinha no início de 2010, quando ocorreram as reuniões mencionadas por Geithner, era simples: default no interior do euro ou ser esmagada dentro do euro. Todas as ameaças de expulsar a Grécia do euro eram vazias, já que, se fossem concretizadas, o euro teria entrado em colapso a curto prazo.
Tragicamente, o establishment grego optou por permitir que as elites do Norte de Europa esmagassem os gregos mais fracos, salvando-se no processo e conduzindo a Europa à ladeira da misantropia, do autoritarismo e da fragmentação. Como escrevi nesse mesmo artigo em 2010, citando “As Consequências Económicas da Paz”, de Keynes:
… A aceitação hipócrita... de condições impossíveis que não havia a intenção de cumprir [fizeram a] Grécia* quase tão culpada por aceitar o que não podia cumprir quanto a troika** por impor o que não tinha o direito de exigir.
(*) Aqui substituí Alemanha por Grécia; e (**) aqui substituí os Aliados pela troika.
16/11/14
Publicado no Blog de Yanis Varoufakis
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
1 Então secretário do Tesouro dos Estados Unidos
2 Ver as transcrições das fitas de Geithner publicadas por Peter Spiegel no seu blog do Financial Times.