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Habitação ou especulação?

Em Lisboa, a especulação imobiliária aumenta, mas as pessoas têm cada vez mais entraves no exercício pleno do seu direito à habitação.

Nos últimos meses assistimos a sucessivos pacotes de alienação de património municipal, com o arrecadar, para os cofres da câmara, de milhões de euros. Uma política de alienação de património com o ritmo a que está a ser feito poderá ter consequências prejudiciais para a cidade, ajudando mais à especulação imobiliária e prejudicando mais quem cá mora ou quer morar.

Não se percebe bem como se pretende compatibilizar uma política de alienação de património com uma política de reabilitação e mesmo de habitação social, bandeiras muitas vezes levantadas por António Costa e o seu executivo.

Pois vejamos: é sabido, tem sido referido variadas vezes da dificuldade de resposta às centenas e centenas de pedidos de habitação à câmara, fruto da degradação da vida das pessoas, com cada vez mais dificuldade em encontrar sitio onde viver de acordo com as suas possibilidades financeiras e que lhes possa garantir alguma dignidade.

Desde o início do mandato até outubro foram atribuídos 124 fogos no âmbito do plano politica de habitação municipal. Objetivamente, este número é insuficiente tendo em conta o número de pedidos, que com certeza vão continuar a aumentar fruto da situação de dificuldade económica a que cada vez mais e mais pessoas são votadas. Deve, aqui, ser referenciado e acompanhado com uma especial preocupação o caso de Lisboa e o aumento da pobreza conforme o mais recente relatório do Observatório da Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa.

Assim, a venda de património ao desbarato dificulta a própria ação de qualquer executivo no âmbito da habitação social: quanto menos património tiver, mais dificuldade terá em dar resposta aos pedidos de habitação. Bem como fica com menos e menos instrumentos para poder aplicar um programa de arrendamento a custos controlados em património próprio.

E não vale afirmar que o património que tem sido alienado não serve para habitação: se serve para hotéis de luxo também tem que servir para residências de estudantes, por exemplo (que tanta falta fazem nesta cidade), ou para habitação municipal!

A acrescer a isto, os fundos arrecadados com a venda deste património também não estão a ser investidos no fundo de emergência social (com valores absurdamente baixos), nem tão pouco para formas de impulsionar o investimento próprio da Câmara na reabilitação dos anéis que vão sobrando.

Há também que deixar claro que uma política casuística de alienação de património pode levar a situações como as que têm vindo a público sobre vistos gold e negócios suspeitos que movimentam milhares e milhares de euros.

E quando chegamos mais ao fundo da questão sobre a escolha “habitação ou especulação”, continua clara para este executivo de António Costa: favorecer sempre a especulação em detrimento das pessoas e do seu direito à habitação. Com a desculpa de que a câmara não pode, ela própria, fazer a reabilitação, dá-se a mesma a privados, que vão pagando os imóveis com um prazo mais alargado (Reabilita primeiro, Paga depois).

Seriam boas ideias se o resultado fossem mais edifícios reabilitados com preços acessíveis ao comum lisboeta ou quando outro cidadão que por cá queira morar. Mas não é esse o resultado: o resultado é o aparecimento de hotéis como cogumelos, apartamentos de luxo e cada vez mais caros e mais pessoas a viverem na rua.

Há escolhas políticas fundamentais para qualquer executivo, e a habitação é das mais essências. Em Lisboa já se percebeu qual a escolha profundamente ideológica deste executivo liderado por alguém que se arroga muito de algo que não é. Enquanto isso, a especulação imobiliária aumenta, mas as pessoas têm cada vez mais entraves no exercício pleno do seu direito à habitação.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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