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Brasil: O voto em clima de tensão extrema

A atual presidente Dilma Rousseff chega ao dia do voto com uma ligeira vantagem. Mas os grandes meios de comunicação reforçaram, na última hora, a sua aposta em Aécio. O tiro partiu da revista Veja, que vende um milhão de exemplares, acusando Lula e Dilma de serem cúmplices da corrupção na Petrobras. Por Eric Nepomuceno, Página 12
Dilma Rousseff e Aécio Neves: surpresas até ao fim. Fotos e montagem de Agência Brasil
Dilma Rousseff e Aécio Neves: surpresas até ao fim. Fotos e montagem de Agência Brasil

Rio de Janeiro – Até o minuto final, tal como era previsível no termo da primeira volta, no passado 5 de outubro, o Brasil vive a mais disputada eleição presidencial dos últimos 25 anos. Perante a segunda e decisiva volta, a atual mandatária Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, conseguiu obter uma vantagem razoavelmente confortável sobre o seu adversário, o neoliberal Aécio Neves, que se apresenta sob a bandeira social-democrata: oito pontos, segundo o instituto Ibope, ou seis, segundo o DataFolha. Confirmou-se, assim, uma tendência observada na semana anterior, com um ligeiro avanço de Dilma sobre Aécio, que até então se mantinha numa situação qualificada como de empate técnico.

Mas no sábado, faltando menos de 24 horas para que se conheça o resultado, os mesmos institutos indicaram uma reação do candidato neoliberal: para o DataFolha, voltou a existir uma situação de empate técnico, ao haver uma diferença de somente quatro pontos entre Dilma e o seu adversário. Já para o Ibope, a presidente manteve-se em vantagem, mas de somente seis pontos.

Os conglomerados da comunicação querem Aécio

Para realçar ainda mais o carácter eleitoralista da publicação, desta vez Veja foi publicada numa sexta-feira, quando, desde a sua fundação, há mais de 40 anos, sai aos sábados.

Os grandes meios de comunicação reforçaram, à última hora, a sua aposta em Aécio Neves. O tiro inicial partiu da revista semanal Veja, que tem uma circulação de cerca de um milhão de exemplares. Segundo a publicação, um operador de câmbio do mercado negro, Alberto Youssef, que se encontra detido devido a um escândalo de corrupção que envolve o PT e a vários outros partidos políticos, teria afirmado, ao prestar depoimento à Polícia Federal, que Lula e Dilma conheciam todo o esquema de desvio de recursos e pagamento de subornos ocorrido na estatal Petrobras. Não há uma única prova do que Youssef afirmou aos seus interrogadores. E, se efetivamente acusou Lula e Dilma, não há nenhuma prova indicando que o que se supõe que disse seja verdadeiro. A propósito, a própria Veja reconhece, no texto escrito em tom bombástico e acusatório, essa ausência absoluta de provas. Mas como se trata da primeira denúncia contra Dilma, a revista, de oposição sistemática ao PT, diz que não existe nenhuma razão para que alguém duvide do que se supõe que disse o detido. Para realçar ainda mais o carácter eleitoralista da publicação, desta vez Veja foi publicada numa sexta-feira, quando, desde a sua fundação, há mais de 40 anos, sai aos sábados.

O tema apareceu, como era de esperar, em todos os jornais de sábado, com grande destaque no noticiário da TV Globo, a de maior audiência no país. Foi o reforço final à campanha de Aécio Neves. Curiosamente, nenhum meio de comunicação se lembrou de recordar que, há cerca de dez anos, o mesmo AlbertoYoussef fez um acordo com a Justiça, comprometendo-se a denunciar toda uma extensa trama de evasão de divisas como contrapartida a não ser condenado à prisão. No final, foi preso: não se pôde comprovar o que confessou em troca da liberdade.

Surpresas até ao fim

Nesse clima de extrema tensão, que culminou com um autêntico golpe mediático, 143 milhões de eleitores brasileiros dirigem-se este domingo às urnas em todo o país. E termina assim uma campanha que se caracterizou, além da agressividade entre os candidatos, por uma trajetória surpreendente: quando começou, em julho, tudo indicava uma disputa entre Dilma e Aécio, com um terceiro candidato, Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro, correndo a muita distância e sem nenhuma perspetiva concreta de vitória. Em meados de agosto, Campos morreu num acidente aéreo ocorrido em circunstâncias confusas. No seu lugar entrou a ambientalista evangélica Marina Silva, que depois se transformou, de acordo com as sondagens eleitorais, num verdadeiro fenómeno. Muito rapidamente superou Dilma e pareceu condenar Aécio Neves ao ostracismo.

Faltando pouco mais de uma semana para a primeira volta, e graças à contundência da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, o fenómeno Marina esvaziou-se. Aécio Neves, que tudo indicava estar liquidado, reagiu, superou-a e passou à segunda volta. Marina, que tanto o tinha criticado, e que tão criticada fora por ele, acabou por se aliar ao neoliberal, que liderou todas as sondagens durante as duas primeiras semanas. Faltando cinco dias para a data final, Dilma voltou a conquistar a liderança nas sondagens. E agora, a menos de 24 horas, o grande conglomerado dos meios de comunicação correu para socorrer Aécio Neves. E assim o país amanhece, neste domingo, num ambiente de absoluta indefinição.

Projetos opostos

Durante esta última etapa da campanha, tanto nos debates transmitidos pelas cadeias de televisão como na propaganda política, ficou muito claro que ambos candidatos têm projetos radicalmente opostos. Dilma Rousseff assegura que, se permanecer à frente do governo, irá manter a linha estabelecida desde 2003 pelo então presidente Lula da Silva, de forte cunho social. Prometeu adotar as medidas necessárias para que a economia volte a crescer com força (as previsões para 2014 são de um crescimento mínimo, de ao redor de um por cento), para manter a inflação sob controlo, mas foi enfática na defesa do seu programa social, que vai da Bolsa Família à criação de escolas técnicas de ensino médio, a mais universidades populares, a mais moradias para a população de baixos rendimentos (foram quase 4 milhões desde 2011). Prometeu também manter o desemprego nos atuais níveis, os mais baixos da história.

Dilma Rousseff assegura que, se permanecer à frente do governo, irá manter a linha estabelecida desde 2003 pelo então presidente Lula da Silva, de forte cunho social.

Já o seu adversário concentra as suas promessas em dois campos diferentes: diz que vai manter e melhorar a maior parte dos programas sociais existentes, mas pretende adotar medidas drásticas para favorecer a iniciativa privada. Anunciou também que fortalecerá o superavit fiscal, reduzirá a inflação para metade e irá rever as despesas excessivas do governo, sem esclarecer se nesses excessos se encontram os programas de moradia popular, de médicos estrangeiros atuando em regiões às quais os doutores brasileiros se recusam a ir, ou de bolsas subsidiadas para que estudantes das classes mais baixas possam frequentar as universidades.

Neste domingo, ao fim do dia, saber-se-á por qual dos projetos de país optou a maioria dos brasileiros.

Publicado no Página 12

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

Os subtítulos são da responsabilidade do Esquerda.net

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