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O assassinato de Che respondeu a uma ordem direta dos EUA

O advogado norte-americano Michael Steven Smith recompilou e analisou documentos desclassificados da CIA que "demonstram que o assassinato de Che respondeu a uma ordem direta dos Estados Unidos e não, como quiseram pregar durante todos esses anos, a uma decisão do governo boliviano”. Os responsáveis devem ser levados à Justiça. Por Catriel Ercheverri, Minutouno.com
O advogado Michael Steven smith aponta provas da autoria da cia - foto minutouno

Muito se escreve sobre Che Guevara e os seus últimos dias na Bolívia. E, por mais que ninguém duvide do papel decisivo que tiveram os Estados Unidos na sua captura, na Quebrada do Yuro, sudeste da Bolívia, não existiam provas concretas da participação da Casa Branca através do seu serviço de espionagem. Durante longos 17 anos de trabalho, o advogado nova-iorquino Michael Steven Smith recompilou e analisou, juntamente com o seu colega Michael Ratner, documentos desclassificados da CIA que, segundo ele explicou ao site de notícias munitouno.com, "demonstram que o assassinato de Che respondeu a uma ordem direta dos Estados Unidos e não, como quiseram pregar durante todos esses anos, a uma decisão do governo boliviano”.

De passagem por Buenos Aires, onde acaba de publicar "Quem matou Che? Como a CIA conseguiu desligar-se do assassinato” (Editora Paidós), Smith conversou com o site e advertiu que "a evidência recompilada permitiria julgar os responsáveis pelo assassinato que ainda vivem”. Smith, que integra a direção do Centro para os Direitos Constitucionais, organização sem fins lucrativos que, em meados dos anos 1960, defendeu Martin Luther King, advertiu também que, mesmo fora do plano militar, a ingerência da CIA na região se mantém da mesma maneira que nos anos da Guerra Fria, porém por outros meios.

Por que era necessário um livro como este? É sabido que os EUA estiveram não somente por trás do assassinato de Che como também da derrocada de governos constitucionais em toda a região.

Smith aponta que junto ao corpo de che havia agentes da cia - foto reprodução


Nos Estados Unidos, o governo tem tido sucesso em convencer as pessoas, mesmo aqueles que professam ideias de esquerda, de que, na realidade, a Casa Branca não tinha intenções de assassinar Che e a sua execução foi uma decisão do governo boliviano. O que temos conseguido e consignado no livro são os documentos da própria CIA, que mostram o que vocês, os argentinos, já sabiam. Encontramos provas. Isto é o que fazem os advogados. Buscar provas concretas que nos permitam trazer à luz a verdade. Pudemos demonstrar que o governo dos EUA e a CIA, trabalhando através dos militares da ditadura boliviana, são os responsáveis pelo assassinato de Che.

A Justiça dos Estados Unidos pode fazer algo com essas provas 47 anos depois da sua morte?

De acordo com a lei internacional e com a lei dos Estados Unidos, matar um prisioneiro de guerra constitui um crime de guerra. Mesmo que esse prisioneiro seja um guerrilheiro. Não há limite temporal para investigar um assassinato nos Estados Unidos, os processos por assassinato não prescrevem. E este foi um crime de guerra, que não somente implica o solitário sargento boliviano que atirou, como também quem planeou o assassinato, quem o organizou e quem permitiu que acontecesse. E muitos deles continuam vivos e devem ser levados à Justiça.

Acredita que isso pode chegar a acontecer, que a Justiça dos estados Unidos julgue os envolvidos?

Para ser sincero, não acredito que aconteça. Não acredito que o Governo dos Estados Unidos investigue a si mesmo e leve os responsáveis ao banco dos réus. Temos até as fotos feitas no hospital de Valle Grande, onde o corpo de Che foi exposto, e se pode ver, claramente, Gustavo Villoldo, chefe da CIA na Bolívia. Villoldo vive nas redondezas de Miami. Também vive em Miami Félix Rodríguez, o ex-agente da CIA que armou na sua casa uma sala de museu do Che, onde se expõem o Rolex e o cachimbo que ele retirou de Che. Não surpreende que os Estados Unidos fizessem a engenharia para assassiná-lo. Nos anos anteriores ao assassinato de Che, os Estados Unidos mataram, ou tentaram matar, os líderes de 19 países, entre eles Patrice Lumumba (Congo), Ngo Dinh Diem (Vietnã do Sul), Gamal Abdel Nasser (Egito), Jawaharlal Nehru (Índia) e Rafael Trujillo (República Dominicana), entre outros. A ironia é que, naquele tempo, faziam às escondidas, não mostravam. Agora, fazem abertamente no Médio Oriente e vangloriam-se disso com total impunidade.

A presidenta argentina, diante das ameaças recebidas semanas atrás, disse que não se deve olhar tanto para o Estado islâmico, mas mais ao norte...

Não é descabido pensar assim. Não é. Porque ela entende a história do governo dos Estados Unidos, que, nas palavras de Martin Luther King, "é o governo mais violento do mundo”.

E como atua a CIA em tempos de paz? Estou a pensar no papel que teve nos anos 1970, na desestabilização económica do governo de Salvador Allende, no Chile. Pouco antes do golpe de Estado, está provado que a CIA financiou um lockout da classe patronal, que parou, durante semanas, os camiões, provocando o desabastecimento. Mudaram os seus métodos?

A CIA continua envolvida em ações militares no Médio Oriente, hoje mais do que nunca, com os seus drones, e envolve-se nos países nos quais não há conflitos de outra forma, inclusive na América Latina. Para entender isso eu tenho uma máxima: "siga o dólar”. A CIA esteve, recentemente, envolvida na tentativa de desestabilização dos governos de (Hugo) Chávez, primeiro, e (Nicolás) Maduro, depois, na Venezuela. Não me surpreenderia que aqui (Argentina) ela esteja a fazer tudo o que pode para desestabilizar o governo, de modo a obrigá-lo a pagar o total de dívida que é reclamada pelos fundos abutres.

Da ingerência direta, através das armas, a uma mais velada, económica?

Depois da revolução, os cubanos enfrentaram o desafio de sustentar, controlar e administrar a sua própria economia, como, hoje, a Argentina quer controlar a sua própria economia sem a interferência dos grandes países ricos do norte. Mas o governo dos Estados Unidos e a CIA isolaram Cuba depois de 1959 e qualquer governo que resistia à posição dos Estados Unidos era derrubado, começando pela Bolívia e pelo Brasil, em 1964, com o Chile, em 1973, e depois com a tirania imposta ao povo argentino a partir de 1976, com o apoio dos Estados Unidos. Por isso, não me surpreenderia que se comprovasse, em algum momento, que os Estados Unidos estão a operar por trás da cortina, através da CIA ou de outras organizações, para desestabilizar o governo de Cristina Kirchner, e acredito que ela foi muito corajosa e muito astuta ao dizer abertamente porque, ao fazê-lo, de alguma maneira, desativa a possibilidade de que continuem a operar.

O governo dos Estados Unidos continua a ver a América Latina como o seu quintal?

Claro. Claro que sim. Continua por vários séculos a ver dessa maneira. Cuba era a fruta madura que somente tinha de recolher. A Doutrina Monroe, estabelecida no início do século XIX, dizia ao resto do mundo que a América Latina era nossa e essa doutrina continua a inspirar a vontade de domínio hemisférico do governo dos Estados Unidos. Mas as coisas estão a começar a mudar e, em parte, por Che Guevara.

Em que se observa a mudança?

Quando a Argentina vai ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, para denunciar os fundos abutres e a Justiça dos Estados Unidos, nesta nova era de solidariedade e independência dos países latino-americanos, a Argentina alcança o apoio do Brasil, Venezuela e de muitos outros países. Os únicos que votaram contra foram os Estados Unidos e os seus sócios ricos, a Alemanha e o Japão. Vê-se mais e mais que a influência dos Estados Unidos está em retirada. Os países da região convidaram Cuba a retornar à OEA em 2015 e os Estados Unidos se opõem. Veremos o que acontece finalmente. A nova força dos países da América Latina está a aparecer e é fabuloso vê-la, e em parte é pelo exemplo do Che.

E como é percebida a figura de Che nos Estados Unidos?

Nos Estados Unidos, as coisas estão a mudar. Estamos no início de algo, muito no começo ainda, é verdade, mas é possível ver que as coisas estão a transformar-se. Vemos a ocupação de Wall Street e as grandes manifestações, como a de poucas semanas atrás, contra a mudança climática. Estamos no início de uma forte radicalização, porque o governo e a sua economia já não podem cumprir as suas promessas. Fizeram duas promessas centrais: que o seu sistema económico era o único compatível com a democracia e que este sistema iria oferecer uma melhor qualidade de vida para todos. E ambas as coisas eram mentiras. A metade das pessoas nos Estados Unidos é pobre ou encontra-se próxima à linha de pobreza. O país é administrado por 1% da população, a mais rica. O ex-presidente Jimmy Carter disse, no ano passado: "já não vivemos numa democracia”. A qualidade de vida dos norte-americanos tem sido arrasada e os Estados Unidos convertem-se num lugar terrível para viver, a menos que se pertença ao 1% mais rico. Quem sabe não viva para vê-lo, mas isso é o começo de algo, e o Che é identificado com a luta pela justiça e por um mundo melhor, especialmente pelos jovens, e essa força poderá produzir transformações e, quem sabe, mais adiante, se investigue o assassinato como deve ser.

Publicado pela Adital

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