Hong Kong: “A chave é escalar o movimento e expandi-lo à China”

13 de October 2014 - 17:31

Entrevistado em exclusividade pelo Esquerda.net, através da Internet, em 13 de outubro, o socialista Pasha, membro do Socialist Action, explica a natureza do atual movimento em Hong Kong e dá a sua opinião sobre o atual estágio de luta.

porTomi Mori

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Pasha: "Mais desobediência civil, incluindo greves operárias".

Esquerda.net: O que acontece em Hong Kong após todos estes dias de luta?

Pasha: A ocupação continua, apesar de uma pequena redução do número. Em certas áreas, como Mong Kok, onde predominam nativists mais radicais, o número, na verdade, aumentou um pouco. Não me parece que venha a ocorrer uma rutura a curto prazo, se o movimento continuar, mas as divisões entre as fações do movimento são preocupantes.

O que são os nativists?

Os nativists são a ala direita populista que usa o racismo contra a China para angariar apoio. Eles dizem que a velha direção burguesa está a trair o movimento. Também fazem provocações semifacistas atacando todos os outros grupos, a que dão a alcunha “esquerda idiota”.

Não me parece que venha a ocorrer uma rutura a curto prazo, se o movimento continuar, mas as divisões entre as fações do movimento são preocupantes.

Pode explicar o que é o movimento Occupy?

Todo o movimento começou no dia 22 de setembro, para ser exato, quando os estudantes universitários convocaram uma greve de uma semana. Os estudantes do secundário engrossaram a mobilização com uma greve no dia 26.

Depois da greve de uma semana, os estudantes organizaram um acampamento de protesto na frente da sede do governo.

No final daquela semana, na sexta-feira e no sábado, a polícia fez várias tentativas de reprimir o acampamento. Mas o resultado foi atrair mais pessoas em apoio aos estudantes.

Nesse momento, os líderes do Occupy Central – que são professores liberal burgueses que criaram a ideia da ocupação, mas nunca a implementaram – declararam o início do movimento Occupy Central.

O movimento, de facto, já se tinha desenvolvido além do seu controlo e planos. Muitas pessoas viam-nos como tendo se apropriado do movimento. E, no domingo, 28, houve o infame ataque de gás [pimenta], que provocou ocupações espontâneas em três áreas diferentes de Hong Kong [Admiralty, Causeway Bay e Mong Kok].

Na sua maioria, os participantes são jovens, estudantes e trabalhadores comuns que tomaram parte nas ocupações, que no auge tiveram cerca de 200 mil pessoas.

Pode explicar melhor qual é a composição do Occupy Central? A burguesia enquanto classe participa ou refere-se à ideologia dos seus líderes?

Existem diferentes fações no movimento. Os líderes do Occupy Central são um grupo de três professores politicamente ligados aos liberais pan-democratas.

Apesar de terem sido os primeiros a avançar a ideia da ocupação, nunca tomaram nenhuma ação concreta durante os dois últimos anos. Planeavam uma ocupação de cinco dias num parque durante os feriados. Portanto, é muito diferente do que ocorre agora. Eles não têm o controlo.

O outro grupo principal são os estudantes, que iniciaram o movimento convocando a greve. Também são liberais, mas relativamente mais radicais do que os “professores”.

Os líderes do Occupy Central planeavam uma ocupação de cinco dias num parque durante os feriados. Portanto, é muito diferente do que ocorre agora. 

Qual o significado da ida de CY Leung a Guangdong no ultimo fim de semana?

A visita de CY, aparentemente, foi para se reunir com dirigentes do PCC (Partido Comunista Chinês) para angariar apoio. Depois da visita, deu uma entrevista na televisão e comunicou que não renunciaria.

CY Leung afirmou que o movimento tem “hipótese zero” de conquistar as suas reivindicações. Qual a sua opinião sobre o futuro da luta?

A luta não pode ser vitoriosa como está agora. Apenas a ocupação não é suficiente. A chave é escalar o movimento com mais desobediência civil, incluindo greves operárias, e expandir o movimento à China.

É possível que o movimento se amplie nos próximos dias?

Existem muitas possibilidades, mas a maioria dependerá das atitudes do governo. O escândalo de corrupção envolvendo CY atraiu mais pessoas às ruas no último final de semana. Além disso, os líderes burgueses querem o fim do movimento. No entanto, não têm o controlo completo. Os nativists radicais têm aumentado a sua disputa pelo controlo contra a velha burguesia e convocam as pessoas a defender as ocupações. Parece que a informação que deu origem ao escândalo de corrupção veio da fação da elite dominante que quer derrubar CY.

Em Hong Kong existem os “fitas amarelas”, os “fitas azuis” e os “fitas verdes”. Que representam?

Os amarelos apoiam o Movimento das Sombrinhas, os azuis apoiam a polícia e os verdes são neutros, amam “todas as pessoas de Hong Kong”.

O atual movimento é um movimento de classe média na sua composição?

O movimento original é o movimento dos estudantes e das pessoas que simpatizam com os estudantes. A direção é claramente uma direção burguesa. Mas quem participa são pessoas comuns da classe operária para a classe média.

Quer dizer que são ligados aos pan-democratas?

Sim.

Acha que a classe operária vai entrar na luta agora?

A classe operária já participa na luta como individuos mas não como classe. Isto porque os sindicatos e as organizações operárias são muito fracas em Hong Kong. Não existem organizações de massas da classe operária.

A classe operária já participa na luta como individuos mas não como classe. Isto porque os sindicatos e as organizações operárias são muito fracas em Hong Kong.

Por que as organizações operárias são fracas em Hong Kong?

Porque, tradicionalmente, os sindicatos foram criados pelo Partido Comunista. E os novos sindicatos independentes são financeiramente pequenos e não conseguem adesão suficiente de trabalhadores. Os sindicatos independentes também são reformistas.

Quantas confederações sindicais existem em Hong Kong?

Duas principais. A FTU [Federation of Trade Unions], controlada pelo Partido Comunista, e a CTU [Confederation of Trade Unions], que é independente, mas com vínculos com os pan-democratas.

Qual é a situação dos trabalhadores e estudantes em Hong Kong?

1,3 milhão vivem na pobreza. Com as rendas de casa mais caras do mundo. Salários estagnados há décadas.

O significa a pobreza em Hong Kong?

A linha de pobreza é igual a metade dos rendimentos médios. Não existem leis que regulem a jornada de trabalho. O salário mínimo é de míseros 30/h (dólares de Hong Kong). Todas as políticas governamentais são pró-empresariais e favorecem os ricos.

E o desemprego?

É bem baixo. Mas os salários não acompanham a inflação e o custo de vida. Uma taxa de desemprego em torno de 3,3%.

Um trabalhador da China tem liberdade para trabalhar em Hong Kong?

Não. Existe controlo de fronteira. É o governo chinês que decide quem pode imigrar ou viajar para Hong Kong.

Sabe se existe algum movimento na China em apoio à luta em Hong Kong agora?

Apenas indivíduos a manifestar solidariedade. Não existe um movimento ainda.

Sabemos que na China existe uma grande censura na Internet. Ocorre o mesmo em Hong Kong?

Não. Em Hong Kong a Internet é livre.

A polícia removeu barricadas hoje pela manhã em Admiralty e Mong Kok. Qual é a situação hoje?

Não tenho todas as informações sobre os novos acontecimentos, mas a polícia irá utilizar essas táticas de pressão. Os manifestantes reforçaram as barricadas em Mong Kok, mas parte das ruas de Admiralty foram abertas.

O que os trabalhadores de outros países podem fazer para ajudar a luta em Hong Kong?

Podem organizar protestos de solidariedade nas embaixadas chinesas, ligadas à [luta pela] democracia no Tibete, Xinjiang e o resto dos trabalhadores chineses.

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Tomi Mori