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Estado Islâmico publica 11 “regras” para jornalistas e impõe censura

Controlo da cobertura por jihadistas lembra debate sobre como o jornalismo 'embedded' restringia atuação de repórteres dos EUA no Afeganistão e no Iraque. Por Patrícia Dichtchekenian, Opera Mundi.
Rebeldes sírios em combate. Foto de Patrick Wells

No momento em que o Estado Islâmico amplia a sua influência na Síria e se aproxima da fronteira com a Turquia, o grupo extremista sunita busca impor leis próprias e garantir a sua legitimidade na região. A novidade agora é que os jornalistas que trabalham nos territórios dominados pelo EI (Estado Islâmico) são obrigados a cumprir 11 “regras” estipuladas pelos militantes.

Segundo a ONG de notícias especializada no conflito Syria Deeply reportou nesta terça-feira, houve uma reunião entre jornalistas e funcionários da assessoria de imprensa do EI, que explicaram como a cobertura mediática deveria ser realizada após o grupo tomar o governo da província síria de Deir el-Zor. Como condição de permanecer nos territórios controlados, os jornalistas devem respeitar 11 “regras”:

Como condição de permanecer nos territórios controlados, os jornalistas devem respeitar 11 “regras”

1) Os correspondentes devem jurar lealdade ao califa Abu Bakr al-Baghdadi e ser súbditos do EI;

2) Os trabalhos dos jornalistas estarão sob supervisão exclusiva da assessoria de imprensa do EI;

3) Os jornalistas podem trabalhar diretamente com agências de notícias internacionais (como Reuters, AFP e AP), mas devem evitar todos os canais locais e internacionais de televisão

por satélite. Eles também estão proibidos de fornecer qualquer material exclusivo (som ou imagem) a essas agências;

4) Os jornalistas estão proibidos de trabalhar para os veículos inscritos “na lista negra de emissoras que lutam contra países islâmicos” (como Al-Arabiya e Al Jazeera) criada pelo EI. Os infratores serão responsabilizados;

5) Os jornalistas estão autorizados a cobrir eventos da região governada com textos e imagens sem precisar da autorização da assessoria de imprensa do EI. Contudo, todos os materiais publicados devem ter os nomes do jornalista e do fotógrafo responsáveis;

7) Os jornalistas podem ter contas próprias nas redes sociais e blogs para divulgar notícias e fotos. No entanto, a assessoria de imprensa do EI deve ter os endereços dessas contas e páginas;

8) Os jornalistas devem respeitar os regulamentos ao fotografar dentro dos territórios controlados pelo EI e evitar filmar locais onde as fotografias são proibidas;

9) A assessoria de imprensa do EI irá acompanhar o trabalho dos jornalistas no território controlado pelo grupo e nos veículos de comunicação estatais. Qualquer violação das regras em vigor levará à suspensão do jornalista e ele será responsabilizado;

10) As regras estão sujeitas a alterações a qualquer momento, dependendo das circunstâncias e do grau de cooperação e compromisso dos jornalistas;

11) Os jornalistas recebem uma licença para trabalhar depois de apresentar um pedido de autorização na assessoria de imprensa do EI, mas não estão autorizados a publicar qualquer reportagem (impressa ou transmitida) sem antes entrar em contacto com a assessoria de imprensa do EI.

A violência contra jornalistas e a cobertura ‘embedded’

A violência do EI (Estado Islâmico) contra jornalistas tem sido especial: das quatro decapitações já realizadas, duas foram execuções de jornalistas, os norte-americanos James Foley e Steven Sotloff. Nos últimos dias, o colaborador britânico do The Sun, John Cantille, sequestrado na Síria em 2012 e desde então mantido refém, apareceu em três vídeos em que discute “a verdade” por trás das motivações do grupo extremista.

Tais decapitações serviriam não apenas com uma resposta aos bombardeios aéreos da coligação liderada pelos EUA no território controlado pelos jihadistas entre Iraque e Síria, mas também como alerta aos média ocidentais que, segundo o grupo extremista, manipula a verdade para o seu público.

No entanto, o Estado Islâmico não é a única organização que impõe restrições à liberdade de expressão em momentos de conflito. Nos últimos anos, tem crescido muito uma cobertura jornalística conhecida como “embedded” (na tradução literal, “incorporada”, "embutida"). Trata-se de uma prática na qual os jornalistas viajam com o Exército, submetendo-se às normas de conduta da instituição para reportar uma guerra, tendo contacto próximo ao campo de batalha.

Segundo o Observatório de Imprensa, o termo inglês foi usado pela primeira vez na cobertura norte-americana da Guerra do Iraque, em 2003, mas há controvérsias quanto ao seu início. De todo modo, trata-se de uma prática polémica por restringir o profissional a determinadas regras militares, o que põe em xeque os limites éticos das reportagens “embedded”.

Populares na cobertura de ofensivas dos EUA no Médio Oriente nos últimos anos, o jornalismo “embedded” também impõe perigos e censuras, alertam veículos norte-americanos. Para o The Independent, as reportagens “embedded” podem dar origem a uma visão distorcida da guerra. “A cobertura leva jornalistas a ver os conflitos iraquiano e afegão principalmente em termos militares, enquanto os desdobramentos mais importantes são políticos ou, se são militares, podem ter pouco a ver com as forças estrangeiras diretamente”, escreve o jornal.

Em 2010, o correspondente do The Washington Post David Ignatius escreveu um artigo em que criticou o “preço” desse tipo de cobertura no Iraque:

“Nós observamos essas guerras apenas de uma perspetiva, não vendo a sua totalidade. Quando você vê a minha assinatura de Kandahar ou Cabul, não deve pensar que estou entre as pessoas comuns, fazendo perguntas para todos os lados. Geralmente estou dentro de uma bolha militar norte-americana. Esse ponto de vista tem valor, mas dificilmente é uma imagem completa. Temo que essa imprensa ‘embedded’ se torne uma norma”, afirma Ignatius.

7/10/2014  

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