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A culpa é do sistema?

Mais do que fruto de incompetência, este crash em cadeia dos serviços públicos online é a consequência dos cortes. Para este Governo, um melhor acesso aos serviços não passa de uma “gordura do Estado”.

Esta quinta-feira, a imprensa revelou que os trabalhadores a recibos verdes que pediram alteração do seu escalão da Segurança Social terão de passar a pagar a contribuição aos balcões da tesouraria dos serviços distritais. No Multibanco e por internet não dá. Dizem que a culpa é do sistema.

Um cidadão que queira renovar a sua carta de condução ou alterar os dados da residência tem em Portugal um serviço online reconhecido como um exemplo no relatório da UE eGovernment 2014. Mas de que servem os elogios a quem tem visitado o site desde o ano passado e lê a mesma mensagem: “Informamos que os nossos serviços online da área de condutores se encontram temporariamente indisponíveis”. Se for tratar do assunto aos serviços em Lisboa, vai perder um dia de trabalho e preparar-se para esperar muitos meses pela nova carta. E vai ouvir de certeza que a culpa é do sistema.

Com a implosão do Citius, temos assistido ao caos na vida dos tribunais, com consequências para os processos ainda por determinar. O crash tornou o acesso à justiça mais caro: sem o serviço online disponível, lá se foi o desconto de 10% na taxa de justiça… E como as entregas de documentos e peças prossessuais voltaram a ser feitas em mão e por via postal, o preço cobrado pelos advogados também sobe. A ministra Paula Teixeira da Cruz foi avisada mas não deixou que os avisos lhe atrapalhassem os preparativos da “sua” reforma do mapa judiciário. Disse que dali a uns dias o problema estava resolvido. A seguir pediu desculpa pelo “transtorno” causado pelo sistema.  

Nos hospitais, os médicos debatem-se com falhas constantes nas mais de dez aplicações informáticas que têm de usar para passar receitas, encaminhar doentes para consultas, registar algumas doenças, aceder a exames complementares ou registar outros dados dos utentes. Este verão, o crash nos centros de saúde de Castelo Branco durou um mês e ficaram por recuperar dados de utilizadores. No início do ano, os médicos de Beja optaram mesmo por suspender as consultas programadas, para evitar maiores danos para os utentes. Com tantas aplicações para tão pouca capacidade das redes, servidores e computadores, sobram as falhas no sistema.

Na semana passada, muitos estudantes candidatos a bolsa para frequentar o Ensino Superior ficaram impedidos de se candidatar dentro do prazo. O sistema bloqueou nos últimos dias, apesar de ter recebido menos pedidos que na mesma altura do ano passado. Para esses estudantes, a diferença está entre ter aquele dinheiro para cobrir as despesas ou desistir do curso. Vão perder um ou dois meses de bolsa, por culpa do sistema. Quem já se habituou a sofrer horas a fio, com um ecrã à frente enquanto a plataforma informática impede que se chegue ao próximo passo, são os professores candidatos a um lugar na escola pública. Voltar ao início, novo bloqueio… e muitos não conseguem candidatar-se no prazo fixado. Alargam-se então os prazos das colocações e adia-se assim o início das aulas para uns bons milhares de alunos. Ao menos aprendem que isto é tudo por culpa do sistema.

Ao cortar o financiamento aos serviços públicos, o Governo não só degradou as condições para lhes aceder, por exemplo encerrando escolas, estações de Correio e tribunais no interior, ou Lojas do Cidadão nos centros urbanos, como comprometeu também a fiabilidade dos serviços online que tantos ganhos trouxeram à qualidade e rapidez do atendimento e à eficácia da Administração Pública. Mais do que fruto da incompetência do Governo, este crash em cadeia dos serviços públicos online é a consequência dos cortes que neles viram mais uma “gordura do Estado”. E enquanto o sistema informático continuar a levar com as culpas, o país fica condenado a andar literalmente aos papéis...

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Jornalista
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