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Estratégia de Obama contra o Estado Islâmico não convence nos EUA

Apesar de o plano do presidente ter obtido a cautelosa aprovação da maioria dos parlamentares, muitos dizem que gerou tantas dúvidas quanto respostas. Por Jim Lobe, IPS
Os defensores da intervenção militar perguntam se a estratégia, sobretudo a promessa de Obama de não enviar forças de combate, será suficiente para alcançar os seus objetivos. Foto de Lawrence Jackson
Os defensores da intervenção militar perguntam se a estratégia, sobretudo a promessa de Obama de não enviar forças de combate, será suficiente para alcançar os seus objetivos. Foto de Lawrence Jackson

A estratégia do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, para “degradar, e em última instância destruir” o extremista Estado Islâmico (EI) foi recebida com ceticismo generalizado de parlamentares e especialistas em Médio Oriente do país.

Apesar de ser esperado que o Congresso aceitasse, ainda que não autorizasse formalmente, o plano que Obama esboçou num discurso televisionado, parlamentares do Partido Democrata e do Partido Republicano não pouparam as suas objeções.

“O presidente apresentou um plano convincente a favor da ação, mas ainda restam muitas perguntas relacionadas à maneira como pretende agir”, opinou o presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner.

No seu discurso, Obama adotou um tom decidido e confiante que lhe rendeu elogios, inclusive de republicanos como Boehner. Mas não é nenhum segredo que o presidente, que anseia que a saída de Washington das guerras do Médio Oriente seja um legado de sua administração, resistiu de maneira constante à pressão para que os Estados Unidos aumentassem a sua presença militar na região.

Obama anunciou que reforçará o apoio dos Estados Unidos ao exército iraquiano e aos combatentes curdos, os peshmergas, com mais treino, espionagem e equipamentos, e com o envio de 475 militares norte-americanos, que se somaram aos mais de mil que estão no território desde que o EI, antes conhecido como ISIS, avançou por grande parte do norte e do centro do Iraque em junho.

Ao mesmo tempo, prometeu que a ação “não implicará que tropas de combate norte-americanas lutem em solo estrangeiro”.

Os Estados Unidos realizarão ataques aéreos contra alvos do EI “onde existirem”, não apenas no Iraque, mas também na Síria, acrescentou Obama.

Ele indicou que Washington está a reunir uma “ampla coligação de parceiros”, que inclui a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), os Estados do Golfo governados por sunistas, a Jordânia e o Líbano.

Estes governos prometeram apoio à campanha contra o EI e ao novo governo do primeiro-ministro iraquiano, Haider al Abadi, durante uma reunião com o secretário de Estado John Kerry na cidade saudita de Yeda.

Obama também pediu ao Congresso que rapidamente aprovasse uma solicitação pendente de 500 milhões de dólares para treinar e equipar a insurgência síria que luta contra o governo de Bashar al Assad e o EI.

A Arábia Saudita, que apoia diversas fações insurgentes na sua luta contra o presidente sírio, aceitou abrigar campos de treino para estes rebeldes “moderados”, segundo funcionários de Washington.

Esta “estratégia antiterrorista sólida e abrangente”, que Obama comparou com as operações de Washington no Iémene e na Somália, “erradicará um cancro como” é o EI, disse Obama.

Apesar de o plano do presidente ter obtido a cautelosa aprovação da maioria dos parlamentares, muitos defendem que ele gerou tantas dúvidas quanto respostas, entre elas, se Obama tem autorização legal para ordenar ataques contra o EI, especialmente na Síria, sem a expressa autorização do Congresso.

Ao mesmo tempo, os defensores da intervenção militar perguntam se a estratégia, sobretudo a promessa de Obama de não enviar forças de combate, será suficiente para alcançar os seus objetivos.

“A ‘estratégia’ de Obama não tem nenhuma possibilidade de êxito”, escreveram Frederick e Kimberly Kagan, respetivamente do neoconservador American Enterprise Institute (AEI) e do Instituto para o Estudo da Guerra, no site da revista Weekly Standard.

Os dois académicos, que ajudaram a planear a operação do governo de George W. Bush (2001-2009) para travar o conflito entre sunitas e xiitas no Iraque em 2007, argumentam que uma estratégia antiterrorista não funcionaria contra uma insurgência consolidada, como é o EI.

“É tremendamente difícil desenvolver uma estratégia sólida quando se começa por um diagnóstico errado do problema”, escreveram. Frederick Kagan argumenta que, apenas no Iraque, é necessária a presença de 10 mil a 15 mil soldados norte-americanos.

Mas outros discordam. “Mais tropas norte-americanas no terreno significam precisamente o que o líder do EI, Abu Bakr ‘Al Baghdadi’ quer”, afirmou à IPS o coronel reformado Lawrence Wilkerson, chefe do Estado-Maior durante a gestão do ex-secretário de Estado Colin Powell (2001-2005). “Um ambiente cheio de brancos é o que eles querem, e no seu território”, acrescentou.

“Se os iraquianos e outros não estão dispostos a derrotar as forças do EI, então a potência aérea dos Estados Unidos e aliados, algum conselho sobre operações terrestres e a assistência da espionagem precisam conseguir fazê-lo”, argumentou.

O EI “não mede três metros de altura, nem um metro sequer, apesar de o bombardeio mediático dizer o contrário”, assegurou Wilkerson.

Vencer o EI no Iraque dependerá em grande medida de Abadi cumprir a sua promessa de compartilhar o poder com os árabes sunitas para integrá-los plenamente a uma nova estrutura de segurança, segundo especialistas na região.

“Cem anos de guerra… demonstraram que a potência aérea pode ter êxito somente se a força terrestre estiver pronta para aproveitar os ataques aéreos e tomar e ocupar fisicamente o território”, destacou Wayne White, ex-funcionário de informações do Departamento de Estado e atual integrante do Instituto do Médio Oriente.

“O presidente não ignora esta máxima, daí o seu papel na destruição do detestável ex-primeiro-ministro Nouri al Maliki e a necessidade de um novo governo em Bagdade que seja inclusivo de forma credível e que possa reavivar o exército iraquiano”, escreveu por e-mail.

A pergunta do milhão é se o governo aparentemente medíocre de Abadi pode afastar suficientemente tribos árabes e quadros sunitas do movimento Despertar do apoio ativo e passivo que o EI oferece”, acrescentou White.

“Somente um força árabe sunita de magnitude e de dentro poderia conseguir um avanço considerável, junto dos ataques aéreos, para descolar o EI de seus baluartes-chave”, disse.

Ainda que a estratégia no Iraque prospere, atacar o EI na Síria será muito mais difícil porque as fações rebeldes que os países ocidentais apoiam são “muito mais fracas do que as de dois anos atrás”, segundo o ex-diretor da CIA Michael Morrell.

A sua opinião é compartilhada pela maioria dos especialistas na região, alguns dos quais, como o ex-embaixador no Iraque, Ryan Crocker, defendem que é preciso cooperar com Assad como o mal menor, algo que Washington parece rejeitar.

O discurso de Obama “deixa importantes perguntas sem resposta sobre a Síria”, disse Paul Pillar, analista veterano da CIA.

“Se vai expulsar o EI, quem preencherá este vazio? Se for o regime de Assad, como isso vai encaixar com a contínua oposição dos Estados Unidos a esse regime? Se for alguém mais, como isso vai encaixar com a persistente falta de unidade, força e credibilidade da chamada oposição moderada?”, concluiu.

Tradução de Daniella Cambaúva para a Carta Maior

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