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O desmantelamento dos serviços públicos de transportes

Este governo só conhece três formas de intervenção pública: cortar, privatizar e taxar. Com cada uma delas o país fica mais pobre e por isso merecem toda a nossa oposição.

Anos e anos de desinvestimento na TAP estão agora à vista de todos. Atrasos diários, voos cancelados e todo um sem número de problemas operacionais criados pela evidente falta de meios. A subconcessão de quase todos os serviços de terra a empresas que ninguém conhece e que apenas competem pelo preço, tem levado à degradação de um serviço que os cidadãos se habituaram a reconhecer como irrepreensível.

O registo histórico da TAP é imaculado. De acordo com os dados da Flight Safety Foundation, a TAP é a companhia mundial com menor número de acidentes por passageiro/quilómetro nos últimos 30 anos. Os elevadíssimos padrões de segurança reforçaram a ligação dos portugueses à sua companhia de bandeira.

A TAP é a companhia que fala a nossa língua onde quer que estejamos. É a companhia que junta o continente às ilhas e o país todo aos seus emigrantes. É a companhia que, sempre que há portugueses em risco em qualquer canto do mundo, os vai resgatar em segurança. Isto acontece porque é uma empresa nacional de capitais públicos.

Todos estes serviços estarão em causa com a privatização da empresa. Que interesses manterão os capitais sabe-se lá de onde na ligação às ilhas ou aos países onde temos comunidades emigrantes?

Claro que o Governo nos vai dizer que, no fabuloso acordo de serviço público que irá assinar, vai garantir que os interesses dos cidadãos vão ser acautelados. Na verdade já disse isso com a ANA ou com os CTT. O que é que aconteceu? No primeiro caso as tarifas aéreas subiram oito vezes num ano, aumentando 33%, enquanto os correios se entretêm a tentar impingir créditos ao consumo com juros abusivos e insustentáveis.

É esta a história das privatizações neste país. Antes da privatização o Governo despede funcionários, aumenta preços e limita a qualidade do serviço para tornar a empresa vendável. Depois da privatização, os privados despedem novamente funcionários, aumentam ainda mais os preços e limitam ainda mais a qualidade dos serviços para aumentar os lucros. Perdemos duas vezes.

A experiência que os cidadãos têm dos tão propalados benefícios da concorrência, ou das supostas maravilhas da gestão privada, tem sido sempre uma conta maior ao fim do mês. Pagamos mais pela gasolina, pagamos mais pela energia e agora querem que paguemos ainda mais pelos transportes.

Aumento do preço e redução de serviços. É isso que está previsto, preto no branco, no caderno de encargos da STCP e, tudo o indica, nas restantes concessões que estão na calha. Na linha de Cascais, ao que se sabe, o que se pode esperar é a supressão dos comboios rápidos, redução da frequência das composições e diminuição do número de carruagens em cada comboio.

Já vimos este filme. Tem sido exatamente isto que o Governo tem feito, nos últimos três anos, para preparar as privatizações que se avizinham e tornar (para usar as palavras do secretário de Estado) as empresas apetecíveis para o mercado.

Repare-se no Metro de Lisboa ou na Carris e STCP. A linha verde tem metade das carruagens, tornando um inferno a vida dos seus passageiros, e o tempo de espera por cada composição disparou em todas as linhas. Já na Carris e STCP a supressão de linhas, ou a redução do número de autocarros em circulação, tem sido a imagem de marca destas empresas nos últimos anos. Só no Porto, os autocarros fazem hoje menos 3 milhões de quilómetros do que faziam há 3 anos.

Não se pense que a redução da frequência dos transportes acontece porque as tarifas são baratas e não há dinheiro para manter o serviço. Pelo contrário. O passe social pesa o dobro nos rendimentos médios do que pesa em Bruxelas e o Metro de Lisboa é mais caro, em valores absolutos, do que o metro de Roma. Mas para o Governo o caminho é aumentar ainda mais.

Uma família com o salário médio em Portugal, menos de 800 euros por mês, gasta hoje mais 60% em transportes do que em 2011. Pai, mãe e dois filhos que habitem no centro de Lisboa gastam mais 60€ por mês em transportes. Se tiverem que se deslocar de Sintra para Lisboa ou da Póvoa do Varzim para o Porto o encargo mensal aumentou mais de 100 euros. É incomportável.

O resultado desta política está à vista. Os portugueses fogem dos transportes urbanos. Só em Lisboa, nos últimos 3 anos, Metro e Carris perderam 120 milhões de passageiros. São menos 100 mil passageiros a cada dia que passa.

Aqui chegados a pergunta que se impõe é só uma: para quê tudo isto? A resposta é simples. Aumentar as receitas da exploração das empresas de transportes, que é a que vai ser entregue a privados. PSD e CDS sempre disseram que estas empresas eram deficitárias. O que nunca lhes interessou explicar é que 86% desses prejuízos tinham a ver com a dívida, resultado de anos e anos de subfinanciamento e de swaps desastrosos.

O que é que vai mudar, então, com a concessão a privados? Acaso a Fertagus ou as outras empresas vão assumir a dívida destas empresas?

Nada disso, porque o radicalismo privatizador deste Governo nunca faz as contas que defendem o interesse nacional. Se fizesse, veria que vamos todos pagar duas vezes: pagamos a dívida - que vai ser assumida pelo Estado - com os nossos impostos, e pagamos os lucros das empresas privadas com preços mais caros por menos serviço.

Fora dos holofotes das notícias assiste-se ao desmantelamento, progressivo mas silencioso, dos serviços públicos de transportes. Estamos a falar de um drama diário para um número crescente de pessoas, que pagam cada vez mais para passar cada vez mais tempo nas suas deslocações diárias, mas também de um atentado à qualidade de vida nas cidades. Menos passageiros nos transportes coletivos significa mais pessoas nos seus carros, maiores filas para entrar nas cidades, mais poluição e caos crescente na organização territorial.

E é neste panorama que aparece agora o Governo a dizer que quer taxar a entrada de carros na cidade. Depois de terem tornado insuportável a vida nos transportes, agora querem taxar quem fugiu desse pesadelo. Deve ser a isto que Paulo Portas chama fiscalidade amiga das famílias.

Este governo só conhece três formas de intervenção pública: cortar, privatizar e taxar. Com cada uma delas o país fica mais pobre e por isso merecem toda a nossa oposição.

Declaração política na Assembleia da República em 18 de setembro de 2014

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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