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A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.
Foto Colin Hunter Freelance/Flickr

Actualmente tornou-se um lugar-comum dizer que a campanha Better Together tem sido demasiado negativa, e que o voto SIM seria um voto pela mudança e por uma Escócia mais justa. Há muito de verdade na primeira parte desta frase. Se lermos a imprensa de direita (e muita não tão direita) e ouvirmos muitas das personalidades apoiantes e aliadas do NÃO, podemos acabar por concluir que seria melhor começar a procurar o nosso próprio Monte Ararat uma vez chegada a independência, pois nenhuma arca nos salvaria desse dilúvio.

Achei menos convincentes aqueles que dizem que a Escócia se tornaria numa sociedade mais justa, usando como modelo uma espécie de social-democracia escandinava (que se vai tornando de hora para hora menos social e menos democrata).

Nunca concordei com esses cenários de desgraça. A Escócia é uma economia poderosa. Com um alto rendimento per capita e algumas indústrias inovadoras altamente qualificadas. E também não está na periferia do capitalismo, e assim mesmo depois da secessão, isso continuaria a ser importante. Talvez um pouco menos, mas importante na mesma. Pode haver alguma fuga de capitais após a independência, e as universidades escocesas e os serviços públicos podem sentir durante um tempo alguns problemas de reajustamento a uma nova situação de sub-financiamento. Mas de uma forma geral, reconheço que o país poderia, no máximo, acabar um pouco pior, mas não muito (e no curto prazo, quem sabe o que o futuro nos reserva?)

Achei menos convincentes aqueles que dizem que a Escócia se tornaria numa sociedade mais justa, usando como modelo uma espécie de social-democracia escandinava (que se vai tornando de hora para hora menos social e menos democrata). A grande maioria das terras que encontramos na Escócia não são kolkozes socialistas, mas antes latifúndios aristocratas, que teriam feito Plínio o Jovem ferver em fúria zapatista. As classes dominantes escocesas são quase indistinguíveis das suas congéneres inglesas, tal como eles educando os seus filhos em conventos fechados e exclusivos, onde ninguém rola os RR. A economia escocesa depende muito de capital financeiro  e de indústrias de defesa.

Mais crucial é que não estou ainda convencido de que o eleitorado seja mais de esquerda na Escócia do que no resto do Reino Unido. Inquéritos mostram que, em alguns assuntos, os Escoceses tendem a pender mais para a esquerda que os do Sul, mas só um pouco mais, e interrogo-me sobre qual o papel que têm nisto a Inglaterra rural e os Home Counties [região à volta de Londres]. A verdadeira divisão política nesta Ilha parece-me derivar muito mais da distância a que se vive dos grandes centros. O que não é especialmente estranho. Comparando os padrões de voto no Reino Unido com a Itália, por exemplo, vemos que no que toca a opções políticas, cidade e campo contam quase tanto como classe nesta sociedade de post-Guerra-Fria.

A composição política do Parlamento Escocês faz-me pensar que isto é mais do que um palpite. A representação proporcional, considerada fortemente representativa da verdadeira composição do eleitorado, resultou em apenas mais um deputado para os verdes do que o sistema eleitoral de Westminster [conhecido como “First Past the Post]. A noção mais importante que Holyrood tem de uma “sociedade justa” é mais anti-Thatcher ainda quando se trata de políticas fiscais. Considerando que os Tories perderam a capacidade de conservar as maiorias Conservadoras & Unionistas que tiveram no passado, conseguem ainda  ter 15 deputados na boulê Escocesa, apesar de o seu nome se ter tornado uma marca tóxica a norte do Tweed. Os Liberal-Democratas continuam a ser o verdadeiro partido das Highlands e de outras ilhas, e parecem-me mais próximos de Milton Friedman do que de Karl Kautsky. E há ainda o Scottish Labour, que também não me parece ser muito inspirador.

Como diz o meu amigo Richard, o facto de os políticos post-devolução melhor sucedidos terem conseguido criar a mais ampla coligação política oferecendo uma petro-monarquia com impostos baixos, sem o controle total sobre seus orçamentos e fluxo de dinheiro, deve fazer-nos parar para pensar. A verdade é que apesar de algumas fortes tendências socialistas entre uma parte significativa do povo escocês, o conservadorismo com ‘c’ pequeno tem profundas raízes na Escócia, tal como na Inglaterra e possivelmente em Gales. Quando se trata de classes e políticas, esta ilha é uma sociedade marxista ortodoxa, no fim de contas, e provavelmente é assim de Penn e Wlas até Dunnet Head. Não encontro diferenças substanciais entre as diferentes parcelas do Reino Unido, mesmo que uma região não seja igual a outra.

Arraigado conservadorismo, todavia, não significa aversão à mudança. Esta ilha produziu uma das mais dinâmicas culturas do mundo ocidental. Nas últimas duas décadas o país transformou-se numa das sociedades mais multiculturais à face da Terra, tornando-se muito menos racista do que costumava ser e recebeu enormes vagas de imigração sem experimentar as tensões raciais que ocorreram noutros países da Europa. Conseguiram-se também intensas mudanças sociais. Só o último governo reduziu maciçamente a pobreza infantil, introduziu o salário mínimo que não existia noutros países alegadamente mais socialistas e esteve na linha da frente da redução da dívida de muitos países africanos, algo que os capitalistas gananciosos não estão dispostos a fazer.  Isto não é novo. Uma das minhas melhores lembranças do tempo da licenciatura foi a leitura dos livros de Rodney Hilton, Christopher Hill, E.P. Thompson e outros historiadores britânicos, sobre a longa história das lutas radicais sociais que caracterizaram esta ilha, mais do que arruinar o chá juntando-lhe leite. Se estudar história me ensinou alguma coisa foi que, ao contrário do que tantas vezes foi espalhado nesta campanha, os movimentos mais progressistas da história britânica foram sempre os que transcenderam as linhas que tradicionalmente dividem esta pequena terra, sejam eles o Chartism [reforma eleitoral de 1837-48], as reformas liberais de Lloyd George, o programa de bem-estar e nacionalização de Attlee, ou a luta contra os Camisas Negras. Ser um unionista não significa necessariamente ser de esquerda (há muitos unionistas de direita) mas penso que os movimentos mais de esquerda destas latitudes nunca penderam para o lado da secessão.

De toda a conversa sobre a negatividade do voto NÃO, é o esquecimento de todos estes factos que me faz achar o voto SIM muito mais negativo. A campanha pelo SIM tem divulgado a ideia de que o Reino Unido não tem redenção e a mudança é inatingível a menos que procurada numa escala menor, traçando fronteiras entre irmãos. Para mim, um voto SIM equivale a bater com a porta, em vez de encontrar refúgio num eleitorado manipulado e fraudulento com o qual possamos (possamos mesmo) construir a nossa sociedade socialista num só país, depois de termos falhado em convencer os restantes a votar connosco. Não é só isto: como internacionalista e antigo imigrante que teve de lutar contra dois controlos de fronteira, nunca me perdoaria colaborar na construção de barreiras de separação entre iguais. É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos.

Assim, este mês, é-me oferecida a escolha entre voar para um estado mono-nacional com  a sua moeda e as taxas de juro controladas por um poder estrangeiro ou continuar a ser parte de um estado plurinacional com uma identidade indefinida, delegação de poderes na terra onde vivo, e uma história comum de lutas radicais pela justiça e equidade, com duas grande derrotas, é verdade, mas também com muitas vitórias. Assim, eu escolho NÃO bater com a porta.


Juan Pablo Lewis Jr é investigador da Universidade de Edimburgo. Traduzido por Isabel Gentil

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Neste dossier:

Referendo na Escócia: o fim do Império?

A poucos dias do referendo de 18 de setembro, o poder político de Londres treme ante a subida das intenções de voto do Sim à independência da Escócia. No meio da austeridade que nos últimos anos tem cortado nos salários, pensões e serviços públicos, a população escocesa atreveu-se a imaginar um país novo e mais justo e a discutir as opções do seu futuro. Dossier organizado por Mariana Vieira.

A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.

Por que passei a dizer SIM à Independência da Escócia

Podemos dizer que da União não sobra muito, a não ser sentimento, história e família. Algumas das razões pragmáticas para a subsistência da União, que emergiram nos séculos XVIII e XIX, desapareceram. Artigo do historiador Tom Devine, a principal referência do estudo da Escócia moderna .

Quem irá escrever a Constituição da Escócia?

Se a Escócia votar pela independência teremos de enfrentar importantes perguntas na área constitucional: Qual será a relação entre os cidadãos e os Estado? Quem escreverá a Constituição? Poderá o escocês comum a contribuir para esse processo? E como poderemos todos nós ser incluídos nele? O modelo islandês é um exemplo a seguir? Artigo de Jamie Mann.

A Economia e a Independência

O principal argumento do Better Together, de que as maiores economias são mais resistentes e flexíveis, ainda está por escrutinar. As pequenas economias do Norte, geograficamente semelhantes à Escócia, mantiveram as suas moedas independentes, mais estáveis do que a libra esterlina. Artigo de James Foley e Pete Ramand.

O voto no SIM na Escócia soltaria a mais perigosa das coisas: a esperança

O mito da apatia foi já destruído pelo movimento tumultuoso a norte da fronteira. Assim que há uma coisa pela qual vale a pena votar, as pessoas fazem filas pela noite fora para ter o nome no caderno eleitoral. A pouca participação nas eleições para Westminster reflete não a falta de interesse, mas a falta de esperança. Artigo de George Monbiot.

Petróleo do Mar do Norte: o que importa não é se vai haver um “boom” mas a quem pertence o petróleo

A única forma de diminuir o deficit e retomar os serviços públicos depois dos cortes da coligação, bem como de conseguir ter dinheiro para investir e reconstruir a economia escocesa será nacionalizar o petróleo do Mar do Norte. Artigo de Ralph Blake.

Cronologia da Independência

Momentos importantes da história da Escócia e das suas várias conquistas e sucessivas perdas de independência através dos séculos. Mais informação sobre cada época pode ser consultada, por exemplo, aqui.

Glossário do referendo

Quem é quem nesta campanha do referendo à independência? Quais os sites e blogs que defendem a campanha do Sim e têm tentado furar o bloqueio dos grandes meios de comunicação a favor do Não? Reunimos aqui alguma informação básica para acompanhar melhor esta campanha.

O SNP não pode fugir para sempre ao debate sobre a monarquia

Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.

O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.

Os socialistas e o SIM

Apoiar o direito democrático de nações como a Escócia à autodeterminação não faz de ti um nacionalista escocês, faz ti um democrata. Artigo de Colin Fox, porta-voz do Scottish Socialist Party.

Como se aproximam os sindicatos da independência?

O princípio da devolução e da transferência de controlo para Edimburgo de, entre outras, políticas de transportes, saúde e educação, criou uma nova camada de poder do estado com as quais as secções escocesas dos sindicatos britânicos passaram a ter de negociar, reduzindo a sua dependência nas estruturas mais alargadas, de todo o Reino Unido. Artigo de James Maxwell.

Quem são os donos da Escócia?

John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. Artigo de Peter Geoghegan.

Tariq Ali: "A separação da Escócia desmantela o estado britânico"

Nesta entrevista conduzida por James Foley, o escritor, realizador e editor da New Left Review explica o seu apoio à independência da Escócia e fala das consequências do voto Sim neste referendo.

Ken Loach: Escócia independente poderá ser a "ameaça do bom exemplo"

O cineasta e fundador do partido Left Unity defende que a independência não resolve todos os problemas da Escócia, mas abre a possibilidade de criar uma sociedade mais justa.

O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.

O Modelo Nórdico

Na sequência da carta aberta de 17 escritores e jornalistas escandinavos que apoiam a campanha do SIM, Pete Ramand e James Foley, cofundadores da Campanha Radical pela Independência e autores de Yes: The Radical Case for Independence, defendem a tese de que uma Escócia Independente deveria abandonar o capitalismo Anglo-Americano em favor de uma social democracia Nórdica.

Um salva-vidas para as pessoas com deficiência que se afundam neste mar de cortes orçamentais

O Livro Branco sobre a independência lançado pelo Governo promete mudanças no regime de apoios sociais. Ao invés, o Labour só garante que a austeridade e os cortes vão continuar. Artigo de John McArdle.

Votar SIM é a única maneira de salvar da privatização o Serviço Nacional de Saúde

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde Inglês está a ser privatizado, o Escocês regressou à filosofia tradicional do serviço unificado e de fundos públicos. Artigo de Philippa Whitford.

A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.

A Guerra e as Mulheres

A independência é a maior ameaça ao Reino Unido enquanto potência mundial desde a descolonização, fornecendo a uma Escócia independente a oportunidade de adoptar uma política estrangeira independente e justa. Artigo de Cat Boyd e Jenny Morrison.

Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.

Separando os factos da ficção - o que significa a Grã-Bretanha?

David Cameron e o seu lacaio Michael Gove querem introduzir “Valores Britânicos” na escolas britânicas. Querem ensinar à nossas crianças o que é ‘liberdade’, ‘tolerância’, ‘respeito pelas leis e pelo direito’, ‘crença na responsabilidade pessoal e social’ e ‘respeito pelas instituições britânicas’. Peguemos esta hipocrisia pelos cornos. Artigo de Suki Sangha.

Os planos A, B, C, D, E, F… da moeda Irlandesa desde a independência

Se a libra esterlina passar em 2020 por uma crise como a dos anos 70, o governo da Escócia independente, SNP ou outro qualquer, fará o que fez a Irlanda: vai abandonar a libra esterlina sem hesitar e usar a libra escocesa, mantendo-a dentro dos limites estabelecidos com as moedas dos seus parceiros de mercado, por exemplo, a Zona Euro, os EUA, a Noruega, etc. Artigo de Sean O’Dowd.