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A negatividade do SIM
Actualmente tornou-se um lugar-comum dizer que a campanha Better Together tem sido demasiado negativa, e que o voto SIM seria um voto pela mudança e por uma Escócia mais justa. Há muito de verdade na primeira parte desta frase. Se lermos a imprensa de direita (e muita não tão direita) e ouvirmos muitas das personalidades apoiantes e aliadas do NÃO, podemos acabar por concluir que seria melhor começar a procurar o nosso próprio Monte Ararat uma vez chegada a independência, pois nenhuma arca nos salvaria desse dilúvio.
Achei menos convincentes aqueles que dizem que a Escócia se tornaria numa sociedade mais justa, usando como modelo uma espécie de social-democracia escandinava (que se vai tornando de hora para hora menos social e menos democrata).
Nunca concordei com esses cenários de desgraça. A Escócia é uma economia poderosa. Com um alto rendimento per capita e algumas indústrias inovadoras altamente qualificadas. E também não está na periferia do capitalismo, e assim mesmo depois da secessão, isso continuaria a ser importante. Talvez um pouco menos, mas importante na mesma. Pode haver alguma fuga de capitais após a independência, e as universidades escocesas e os serviços públicos podem sentir durante um tempo alguns problemas de reajustamento a uma nova situação de sub-financiamento. Mas de uma forma geral, reconheço que o país poderia, no máximo, acabar um pouco pior, mas não muito (e no curto prazo, quem sabe o que o futuro nos reserva?)
Achei menos convincentes aqueles que dizem que a Escócia se tornaria numa sociedade mais justa, usando como modelo uma espécie de social-democracia escandinava (que se vai tornando de hora para hora menos social e menos democrata). A grande maioria das terras que encontramos na Escócia não são kolkozes socialistas, mas antes latifúndios aristocratas, que teriam feito Plínio o Jovem ferver em fúria zapatista. As classes dominantes escocesas são quase indistinguíveis das suas congéneres inglesas, tal como eles educando os seus filhos em conventos fechados e exclusivos, onde ninguém rola os RR. A economia escocesa depende muito de capital financeiro e de indústrias de defesa.
Mais crucial é que não estou ainda convencido de que o eleitorado seja mais de esquerda na Escócia do que no resto do Reino Unido. Inquéritos mostram que, em alguns assuntos, os Escoceses tendem a pender mais para a esquerda que os do Sul, mas só um pouco mais, e interrogo-me sobre qual o papel que têm nisto a Inglaterra rural e os Home Counties [região à volta de Londres]. A verdadeira divisão política nesta Ilha parece-me derivar muito mais da distância a que se vive dos grandes centros. O que não é especialmente estranho. Comparando os padrões de voto no Reino Unido com a Itália, por exemplo, vemos que no que toca a opções políticas, cidade e campo contam quase tanto como classe nesta sociedade de post-Guerra-Fria.
A composição política do Parlamento Escocês faz-me pensar que isto é mais do que um palpite. A representação proporcional, considerada fortemente representativa da verdadeira composição do eleitorado, resultou em apenas mais um deputado para os verdes do que o sistema eleitoral de Westminster [conhecido como “First Past the Post]. A noção mais importante que Holyrood tem de uma “sociedade justa” é mais anti-Thatcher ainda quando se trata de políticas fiscais. Considerando que os Tories perderam a capacidade de conservar as maiorias Conservadoras & Unionistas que tiveram no passado, conseguem ainda ter 15 deputados na boulê Escocesa, apesar de o seu nome se ter tornado uma marca tóxica a norte do Tweed. Os Liberal-Democratas continuam a ser o verdadeiro partido das Highlands e de outras ilhas, e parecem-me mais próximos de Milton Friedman do que de Karl Kautsky. E há ainda o Scottish Labour, que também não me parece ser muito inspirador.
Como diz o meu amigo Richard, o facto de os políticos post-devolução melhor sucedidos terem conseguido criar a mais ampla coligação política oferecendo uma petro-monarquia com impostos baixos, sem o controle total sobre seus orçamentos e fluxo de dinheiro, deve fazer-nos parar para pensar. A verdade é que apesar de algumas fortes tendências socialistas entre uma parte significativa do povo escocês, o conservadorismo com ‘c’ pequeno tem profundas raízes na Escócia, tal como na Inglaterra e possivelmente em Gales. Quando se trata de classes e políticas, esta ilha é uma sociedade marxista ortodoxa, no fim de contas, e provavelmente é assim de Penn e Wlas até Dunnet Head. Não encontro diferenças substanciais entre as diferentes parcelas do Reino Unido, mesmo que uma região não seja igual a outra.
Arraigado conservadorismo, todavia, não significa aversão à mudança. Esta ilha produziu uma das mais dinâmicas culturas do mundo ocidental. Nas últimas duas décadas o país transformou-se numa das sociedades mais multiculturais à face da Terra, tornando-se muito menos racista do que costumava ser e recebeu enormes vagas de imigração sem experimentar as tensões raciais que ocorreram noutros países da Europa. Conseguiram-se também intensas mudanças sociais. Só o último governo reduziu maciçamente a pobreza infantil, introduziu o salário mínimo que não existia noutros países alegadamente mais socialistas e esteve na linha da frente da redução da dívida de muitos países africanos, algo que os capitalistas gananciosos não estão dispostos a fazer. Isto não é novo. Uma das minhas melhores lembranças do tempo da licenciatura foi a leitura dos livros de Rodney Hilton, Christopher Hill, E.P. Thompson e outros historiadores britânicos, sobre a longa história das lutas radicais sociais que caracterizaram esta ilha, mais do que arruinar o chá juntando-lhe leite. Se estudar história me ensinou alguma coisa foi que, ao contrário do que tantas vezes foi espalhado nesta campanha, os movimentos mais progressistas da história britânica foram sempre os que transcenderam as linhas que tradicionalmente dividem esta pequena terra, sejam eles o Chartism [reforma eleitoral de 1837-48], as reformas liberais de Lloyd George, o programa de bem-estar e nacionalização de Attlee, ou a luta contra os Camisas Negras. Ser um unionista não significa necessariamente ser de esquerda (há muitos unionistas de direita) mas penso que os movimentos mais de esquerda destas latitudes nunca penderam para o lado da secessão.
De toda a conversa sobre a negatividade do voto NÃO, é o esquecimento de todos estes factos que me faz achar o voto SIM muito mais negativo. A campanha pelo SIM tem divulgado a ideia de que o Reino Unido não tem redenção e a mudança é inatingível a menos que procurada numa escala menor, traçando fronteiras entre irmãos. Para mim, um voto SIM equivale a bater com a porta, em vez de encontrar refúgio num eleitorado manipulado e fraudulento com o qual possamos (possamos mesmo) construir a nossa sociedade socialista num só país, depois de termos falhado em convencer os restantes a votar connosco. Não é só isto: como internacionalista e antigo imigrante que teve de lutar contra dois controlos de fronteira, nunca me perdoaria colaborar na construção de barreiras de separação entre iguais. É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos.
Assim, este mês, é-me oferecida a escolha entre voar para um estado mono-nacional com a sua moeda e as taxas de juro controladas por um poder estrangeiro ou continuar a ser parte de um estado plurinacional com uma identidade indefinida, delegação de poderes na terra onde vivo, e uma história comum de lutas radicais pela justiça e equidade, com duas grande derrotas, é verdade, mas também com muitas vitórias. Assim, eu escolho NÃO bater com a porta.
Juan Pablo Lewis Jr é investigador da Universidade de Edimburgo. Traduzido por Isabel Gentil
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