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Como se aproximam os sindicatos da independência?
Em 1968, Mick McGahey, presidente do Sindicato Nacional dos Mineiros na Escócia, fez um ataque ao nacionalismo, força cada vez mais proeminente na política escocesa, enquanto desvio burguês da luta de classes: “os escoceses têm direito de decidir a forma e o poder das suas próprias instituições”, disse numa conferência do sindicato convocada especialmente para discutir a devolução. “Mas os trabalhadores escoceses têm mais em comum com os estivadores de Londres, os mineiros de Durham e os mecânicos de Sheffield do que alguma vez tiveram com os barões escoceses e os proprietários traidores”. A convicção, expressa aqui por McGahey, de que os interesses da classe trabalhadora são indivisíveis por todo o Reino Unido está cravada no movimento sindical organizado em todo o século XX, e não só no período entre o fim dos anos 40 e meados de 70, em que a Grã-Bretanha estava no auge do que se poderia chamar a sua social democracia.
Hoje, o estado social consensual do pós-guerra foi estilhaçado por mais de três décadas de reformas neo-liberais decididas em Westminster, enquanto a influência dos sindicatos diminuiu sob o peso das limitações da era Thatcher. Além disso, o nacionalismo que McGahey denunciava tão duramente tem as rédeas do poder numa Escócia com poderes transferidos e, sem falar nas sondagens, tem uma oportunidade real de se separar do estado britânico no referendo da independência no próximo ano [2014]. No meio disto, o sindicalismo escocês depara-se com uma escolha difícil: deverá reafirmar o seu compromisso com o Reino Unido, ou abandonar um sistema político britânico que parece ter esgotado todo o seu potencial radical?
"Se fossemos declarar um voto pelo SIM ou pelo NÃO, estaríamos a reduzir uma dinâmica complicada a termos binários. Onde ficariam os sindicatos filiados que tivessem votado de maneira diferente?”, pergunta o nº 2 do Congresso dos Sindicatos Escoceses.
Poucas pessoas estão em condições para comentar esta alternativa tão bem como Dave Moxham, secretário-geral adjunto do Congresso dos Sindicatos Escoceses (STUC), uma organização guarda-chuva representando 37 sindicatos filiados e 630.000 trabalhadores por toda a Escócia. Numa entrevista recente ao New Statesman, Moxham explicava que desafio é posto à sua organização pela questão constitucional: “A constituição é um assunto separado de coisas como a proteção no local de trabalho porque as pessoas não se juntam aos sindicatos para ganhar a independência ou para ficar no Reino Unido. Se fossemos declarar um voto pelo SIM ou pelo NÃO, estaríamos a reduzir uma dinâmica complicada a termos binários. Onde ficariam os sindicatos filiados que tivessem votado de maneira diferente?”
O STUC tem uma longa história de apoio à devolução. Nos anos 70, defendia a criação de uma assembleia de trabalhadores escoceses e, duas décadas mais tarde, fui fundamental na conquista do parlamento de Holyrood. Durante algum tempo, parecia que se preparava para desempenhar um papel semelhante no debate da independência, fazendo campanha ao lado de outras organizações da sociedade civil por um boletim de voto com várias hipóteses de resposta. Mas os partidos do Reino Unido vetaram esta opção, deixando o STUC a hesitar no apoio precipitado a qualquer das opções constitucionais: “Ao princípio assumiu-se que a aliança da sociedade civil que apareceu nos 80s e nos 90s poderia ressurgir”, disse Moxham. “Mas o consenso que existia na altura está agora dividido de forma mais equilibrada entre as posições opostas. Por causa disso, não estamos preparados para tomar decisões até que uma série de preocupações-chave tenha sido discutida”.
Estas preocupações são articuladas no relatório “Uma Escócia Justa”, publicado em Novembro passado. O relatório pede aos principais protagonistas do debate que expliquem de que maneira as suas preferências constitucionais irão melhorar a vida da classe trabalhadora escocesa. Referindo-se ao apoio alargado a um parlamento escocês mais forte, defendido pelos sindicalistas contra a independência, o relatório desafia ainda o Labour escocês a apresentar propostas corajosas para a fase seguinte de devolução, coisa que Moxham julga ser fundamental: “O Labour precisa desesperadamente de mudar, se quer recuperar a sua posição histórica na Escócia. Isso significa apresentar uma visão positiva e pôr de parte toda a linguagem pejorativa que tem vindo a usar sobre, por exemplo, as finanças escocesas fora do Reino Unido”.
Ainda assim, a relação do Labour escocês com os sindicatos pode ainda ter uma influência importante no resultado do referendo. Muitas mulheres e trabalhadores da função pública - os dois alvos principais da batalha do referendo - fazem parte de sindicatos grandes, como o Unison ou o Unite, que ainda estão formalmente filiados no partido e mantêm uma relação relativamente próxima com os seus dirigentes. Sem níveis altos de apoio vindos destes grupos, será extremamente difícil para o SNP conseguir uma maioria pela independência, que mais não seja porque as classes profissionais da Escócia se têm oposto firmemente à separação durante décadas.
Ao mesmo tempo, não restam dúvidas de que a influência do Labour nos sindicatos enfraqueceu. Pouco depois de o STUC ter recusado o convite para juntar a campanha pro-UK do Better Together [liderada por Alistair Darling, ex-Ministro das Finanças do Labour], o segundo maior ramo do Sindicato dos Trabalhadores da Comunicação (CWU) na Escócia, que representa os carteiros de Edimburgo, Stirling, Fife e Falkirk, votou pelo apoio à independência. O voto da secção do CWU fez eco de uma votação feita pelo Sindicato dos Bombeiros Escoceses (FBU), que mostrou que mais de metade dos seus membros era favorável à secessão. Estes desenvolvimentos refletem uma tendência latente na política escocesa: a dos apoiantes naturais do Labour estarem gradualmente a mudar para o SNP nas eleições para Holyrood.
Os laços além-fronteiras entre os sindicatos, que durante tantos anos ajudaram a cimentar a solidariedade entre os trabalhadores escoceses e ingleses, também parecem ter-se deteriorado nos últimos dez ou vinte anos.
Os laços além-fronteiras entre os sindicatos, que durante tantos anos ajudaram a cimentar a solidariedade entre os trabalhadores escoceses e ingleses, também parecem ter-se deteriorado nos últimos dez ou vinte anos. O princípio da devolução e da transferência de controlo para Edimburgo de, entre outras, políticas de transportes, saúde e educação, criou uma nova camada de poder do estado com as quais as secções escocesas dos sindicatos britânicos passaram a ter de negociar, reduzindo a sua dependência nas estruturas mais alargadas, de todo o Reino Unido, voltadas para Westminster. A recente declaração de apoio à independência de Bob Crow, dirigente do sindicato dos Transportes Marítimos e Ferroviários (RMT), para nem falar do falhanço notável de Mark Serwotka, secretário geral do sindicato dos Serviços Públicos e Comerciais (PCS), em argumentar conta a posição de Crow, somou-se a este sentimento de divergência.
Há poderosas dinâmicas políticas em jogo. O discurso de Johann Lamont, dirigente do Scottish Labour, em Setembro passado, questionando a sustentabilidade de subsídios universais na Escócia estabeleceu uma divisão ideológica clara na campanha do referendo, lançando a abordagem mais convencional à social democracia do SNP contra as exigências de um Labour Blairizado por provas de condição de recursos mais apertadas. Este contraste tornou-se mais agudo desde que a Vice-Primeira Ministra Nicola Sturgeon - a mais proeminente voz de centro-esquerda na direção do SNP - assumiu o controlo da estratégia dos nacionalistas para o referendo, no fim de 2012. Dada a gravidade dos cortes na despesa pública levados a cabo pela coligação, o agravamento da desigualdade material e a continuação da presença de armas nucleares no Clyde (coisa a que o STUC se opõe veementemente), é fácil ver por que razão, para muitos dos sindicalistas escoceses, a atração por um governo de Londres se vai desgastando.
É claro que persiste ainda um certo cepticismo em relação à possibilidade de transformação da Escócia num “bastião progressista” com a independência. Num encontro recente do Red Paper Collective, um grupo de esquerda pela devolução com ligações estreitas aos sindicatos, os delegados alegaram uma sobre-dependência da economia escocesa no capitalismo financeiro internacional, bem como grandes níveis de propriedade estrangeira como prova de que a autonomia não trará um renascer das políticas socialistas. A veia neo-liberal da política económica do SNP [link em inglês: http://www.brs-snp.org/Let_Scotland_flourish.htm], também ocupa um lugar central na crítica do Collective e, segundo Gregor Gall, professor de Relações Industriais na Universidade de Bradford, representa um fator importante na formação da opinião dos sindicatos sobre a questão nacional: “a hipótese de ter os sindicatos a apoiar a independência com base na justiça social e nos direitos dos trabalhadores é minada pelo programa abertamente pró-empresas do SNP”, declarou ao New Statesman. “Se quiserem conquistar os sindicatos e afastá-los do Labour, terão de radicalizar o discurso e de rejeitar o modelo neo-liberal”.
A oposição das organizações de trabalhadores na Escócia ao separatismo, nascida de décadas de luta partilhada com os trabalhadores de todo o Reino Unido, é hoje mais fraca do que foi, por exemplo, durante meados do século XX, quando Mick McGahey era presidente da NUM Escocesa. Uma avaliação pragmática dos riscos prováveis e dos benefícios da independência - e não convicção política ou ideologia - é o que tende a influenciar a resposta do sindicalismo escocês ao desafio nacionalista. A quem trará isto vantagem em 2014? O Prof. Gall pensa que a resposta dependerá em quão efetivamente a campanha do SIM empregará a linguagem da social democracia para enquadrar a sua argumentação pela autonomia: “a bases do apoio dos sindicados à independência existem porque é sob o modelo britânico que o estado social está a ser continuamente atacado. O SNP poderia usar a promessa do Labour de dar continuidade às políticas de austeridade da coligação, ainda que ligeiramente atenuadas, como forma a abrir a porta aos sindicatos. Mas terão de ter a coragem e a visão política para agarrar esta oportunidade”.
James Maxwell é jornalista político freelancer e um dos editores do Bella Caledonia.
Publicado inicialmente pelo site New Statesman, a 02/04/2013. Traduzido por Mariana Vieira.
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